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Licenciamento ambiental para exploração na Foz do Amazonas avança

Projetos na região ampliam o debate sobre preservação ambiental e desenvolvimento sustentável

O impasse sobre o licenciamento ambiental para a exploração de petróleo na Foz do Amazonas ganhou novos desdobramentos nas últimas semanas e reacendeu o debate sobre os desafios da agenda sustentável no Brasil. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) deu mais um passo no processo de autorização para a exploração de petróleo na região. Neste mês, o órgão aprovou o conceito do Plano de Proteção e Atendimento à Fauna Oleada (PPAF), apresentado pela Petrobras, documento que estabelece os procedimentos teóricos e metodológicos de resposta a acidentes ambientais.

A decisão é considerada um avanço técnico importante, mas não representa, ainda, a permissão para a perfuração exploratória. Na próxima etapa, serão realizadas vistorias e simulações práticas, conhecidas como Avaliação Pré-Operacional (APO), que testam a viabilidade do plano em campo. O Ibama reforça que o processo segue em análise e que novas etapas serão fundamentais para avaliar a real capacidade de resposta da Petrobras a possíveis emergências ambientais.

Tema de embates entre setores ambientais e econômicos, estima-se que a Margem Equatorial possa abrigar até dez bilhões de barris de petróleo. No entanto, o Ibama nega a licença para a Petrobras realizar atividades exploratórias na região desde maio de 2023, ao alegar a necessidade de aprofundar os estudos sobre os impactos ambientais. Desde então, a estatal trabalha para atender às exigências do órgão. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que todas as demandas do Ibama foram cumpridas e que a expectativa é que a licença seja concedida em breve. A aprovação do conceito do PPAF é vista por integrantes do governo como uma sinalização positiva nesse sentido.

A discussão acontece em um momento estratégico para a política ambiental do Brasil. Em novembro, o país sediará a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), em Belém (PA), e a condução do debate sobre a exploração de combustíveis fósseis pode afetar a credibilidade do governo nas negociações climáticas internacionais. O Ministério do Meio Ambiente, liderado por Marina Silva, reforça a importância de decisões baseadas na ciência, evitando que a pressa comprometa compromissos ambientais de longo prazo.

Edison Dausacker Bidone, professor do Departamento de Geoquímica da Universidade Federal Fluminense (UFF), corrobora com essa visão. “O papel do Ibama deve ser respeitado, pois essa é a instituição responsável por avaliar os impactos e conceder os licenciamentos. Se há dúvidas sobre sua capacidade técnica, o caminho correto seria ampliar o debate e envolver cientistas de universidades federais e outros órgãos competentes. A melhor medida, portanto, é permitir que a instituição faça seu trabalho, garantindo que as decisões sejam tomadas com base em estudos ambientais sérios e criteriosos”.

Desenvolvimento na região

A existência de recifes de corais na margem equatorial brasileira tem sido um dos fatores frequentemente associados ao risco ambiental da exploração petrolífera na Margem Equatorial, estudos recentes, no entanto, contestam essa informação. Alberto Garcia de Figueiredo Junior, professor aposentado do Departamento de Geologia e Geofísica da UFF, esclarece que a área onde se propõe a exploração de petróleo está a cerca de 500 km da foz do rio Amazonas, e não em sua proximidade imediata, como muitas vezes é indicado.

Autor do estudo Mitos e verdades sobre os “Corais da Foz do Amazonas”, o pesquisador afirma que é falsa a visão da existência de “recifes coralinos” vivos na foz do Amazonas. “Isso induz a uma falsa campanha de preservação. Na verdade, não são observados corais e algas calcárias vivos, nas áreas onde estão os blocos exploratórios para petróleo. Nestas áreas ocorrem apenas recifes mortos e parcialmente soterrados, não estando localizados na foz do Rio Amazonas, mas sim na borda da plataforma”.

Arte Petrobras/Divulgação

Figueiredo também argumenta que a exploração de petróleo pode representar uma oportunidade real de desenvolvimento para a região Norte, à semelhança do que ocorre em cidades do Sudeste como Maricá e Niterói (RJ), que se beneficiam dos royalties da produção de petróleo. “Se os municípios do Sudeste podem prosperar com os recursos do petróleo, por que os brasileiros da Margem Equatorial não deveriam ter a mesma oportunidade?”, questiona o docente.

De fato, os impactos econômicos diretos já são vistos na região. A Guiana, país vizinho ao Brasil e que realiza atividades de extração na Margem Equatorial, alcançou o maior PIB per capita da América Latina e, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), será um dos maiores PIB per capita do mundo em 2028.

Outra preocupação sobre a não exploração dos recursos paira sobre a soberania energética do Brasil. “As reservas do Pré-Sal devem começar a declinar por volta de 2030. Caso novas jazidas não sejam descobertas, o país poderá precisar importar petróleo, o que impactaria diretamente a economia nacional”, aponta Figueiredo.

Dilema entre produção e sustentabilidade

Em meio à discussão, em fevereiro deste ano, o governo decidiu aderir à Agência Internacional de Energia (IEA), à Agência Internacional de Energia Renovável (Irena) e à Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep+).

“A participação na Opep+ coloca o país em um grupo de produtores de petróleo, o que pode prejudicar sua credibilidade internacional sobre a disposição para preservação do meio ambiente. Claro que existe uma conjuntura geopolítica complexa, com instituições internacionais sendo enfraquecidas, especialmente sob a atual administração dos Estados Unidos. Mas, independentemente disso, precisamos olhar para as questões internas do Brasil”, salienta o professor Bidone.

Especialistas também alertam para uma possível contradição entre a ampliação da exploração de petróleo e a necessidade de acelerar a transição energética. O governo argumenta que os recursos obtidos com o petróleo podem financiar essa mudança, mas ainda não apresentou um plano detalhado sobre como isso será feito.

Para o docente do Departamento de Economia da UFF, Roldan Petro Muradian Sarache, o pensamento individual dificulta encontrar soluções conjuntas para o tema. “Entendo o dilema do governo. Como deixar de explorar petróleo se outros países vão continuar com essa atividade? Como não ficar atrás nessa corrida? Entendo o ponto de vista, mas o assunto é trágico. Esse dilema coletivo segue uma racionalidade semelhante à corrida armamentista, onde todos perdem.”

Foto: Petrobras/Divulgação

Outro ponto importante é a sobrevivência da Petrobras a longo prazo. “A Petrobras é uma empresa estratégica para o Brasil, e considero erro estratégico apostar apenas na exploração de petróleo. Em algum momento, os impactos vão se tornar insustentáveis, e haverá uma mudança na consciência global. Progressivamente, os países vão deixar de depender do petróleo como fonte principal de energia. No longo prazo, somente as empresas de energia que diversificarem suas fontes e investirem em outras tecnologias sobreviverão”, destaca Roldan Petro.

Com ou sem autorização final, o processo de licenciamento na Foz do Amazonas segue como peça-chave para a política ambiental, energética e econômica brasileira. Avanços técnicos recentes, como a aprovação do plano de resposta à fauna oleada, indicam uma possível aproximação do governo de sua meta de liberar a exploração ainda este ano. No entanto, a concessão da licença plena ainda depende da comprovação prática da capacidade de mitigação de riscos ambientais, e a decisão final continuará a reverberar nos compromissos climáticos assumidos pelo Brasil na COP30.


Alberto Garcia de Figueiredo Junior é geólogo formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1972), com mestrado em Geologia Marinha pela UFRGS (1975) e doutorado em Geologia e Geofísica Marinha pela Universidade de Miami (1984). Atualmente é professor titular aposentado do Departamento de Geologia e Geofísica da Universidade Federal Fluminense, onde colabora como pesquisador em vários projetos de pesquisa. Sua pesquisa foca em sedimentologia marinha e dinâmica sedimentar, com ênfase na Baía de Guanabara, Atafona, plataforma continental do Amazonas e bacia de Campos.

Edison Dausacker Bidone possui graduação em Geologia (Instituto de Geociências) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1973); especialização (1977) e doutorado (1980) pelo Institut National Polytechnique de Lorraine – Nancy – France; Estágios de Pós-doutorado pela Université de Bordeaux I (1984) e Université de Nice (1986). Atualmente é professor Titular do Departamento de Geoquímica da Universidade Federal Fluminense, professor do curso de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da UFF, professor do curso de Engenharia de Recursos Hídricos e do Meio Ambiente da UFF, professor do Programa da Pós-Graduação em Sustentabilidade de Ecossistemas da Universidade Federal do Maranhão e orientador credenciado do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tem experiência na área de Geociências, com ênfase em Geoquímica Ambiental, atuando principalmente nos seguintes temas: modelagem geoquímica de processos naturais e da poluição, análise de risco e gestão ambiental.

Roldan Petro Muradian Sarache possui doutorado em Ciencias Ambientales – Universitat Autònoma de Barcelona – UAB (2002). Atualmente é professor na faculdade de economia da Universidade Federal Fluminense. Tem experiência na área de economia, com ênfase em economia ecológica.

 

Por Gabriel Guimarães
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