A endometriose é uma doença ginecológica crônica que atinge milhões de mulheres em idade reprodutiva, especialmente entre os 25 e 35 anos, afetando diretamente sua saúde física, emocional e reprodutiva. Apesar de sua alta prevalência, o diagnóstico ainda costuma demorar anos, devido à falta de informação e à naturalização da dor menstrual intensa.
Caracterizada pela presença de tecido endometrial fora do útero, a endometriose pode comprometer órgãos como ovários, intestino, bexiga e até diafragma, causando dor pélvica, infertilidade e alterações no bem-estar. O diagnóstico é feito principalmente por meio de avaliação clínica e exames de imagem especializados, como ultrassonografia e ressonância magnética com preparo intestinal.
O tratamento da endometriose varia entre abordagens clínicas com bloqueio hormonal e cirurgias complexas, a depender da gravidade da doença e da resposta da paciente à medicação. Embora o Sistema Único de Saúde (SUS) ofereça tratamento, o acesso ainda é limitado devido à falta de estrutura e insumos em diversos hospitais do país.
Para explicar melhor sobre o assunto, convidamos o professor do Departamento Materno-Infantil, com especialidade em Endoscopia Ginecológica, da Universidade Federal Fluminense, Bernardo Lasmar.

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Quais são os sinais mais comuns da endometriose? É preciso fazer algum exame para saber se tem a doença?
Bernardo Lasmar: A endometriose é caracterizada pela presença de tecido endometrial fora da cavidade uterina, o qual responde aos hormônios ovarianos e sofre descamação durante o ciclo menstrual, mesmo em localizações inadequadas. Isso gera inflamação, irritação local e dor, sendo os sintomas mais comuns cólicas menstruais intensas, dor pélvica crônica, dor na relação sexual (especialmente em posições com penetração profunda), dor para evacuar e alterações intestinais ou urinárias durante o período menstrual.
O diagnóstico da endometriose é clínico, baseado na história da paciente (anamnese) e no exame físico, que deve ser detalhado e incluir o exame especular, o toque vaginal e o toque retal. Exames de imagem, como ultrassonografia transvaginal com preparo intestinal ou ressonância magnética, podem ser utilizados para complementar a avaliação, especialmente em casos de lesões profundas ou em regiões de difícil acesso.
Existem diferentes tipos de endometriose?
Bernardo Lasmar: Sim. A endometriose pode se manifestar de diferentes formas, de acordo com a localização do tecido endometrial ectópico. Quando o tecido se encontra no útero, é chamada de adenomiose. Quando há formação de cistos nos ovários, trata-se de endometrioma. Além da pelve, região mais comumente afetada, a doença pode acometer o intestino, bexiga, diafragma, pulmão e, raramente, até o cérebro. O tipo de sintoma varia de acordo com a localização da lesão.
Por que a endometriose demora tanto para ser diagnosticada no Brasil?
Bernardo Lasmar: O diagnóstico da endometriose costuma ser tardio por diversos motivos. A principal razão é a normalização da dor menstrual intensa como algo esperado pelas mulheres, o que leva à demora em buscar atendimento especializado. Além disso, trata-se de uma doença de diagnóstico clínico que exige tempo, atenção e experiência por parte do médico. Como as pacientes demandam consultas mais longas e acompanhamento contínuo, muitos profissionais não se dedicam a esse campo, o que contribui para o sub diagnóstico.
Quais são os tratamentos mais usados para a endometriose?
Bernardo Lasmar: Os tratamentos para endometriose são divididos em clínicos e cirúrgicos. O tratamento clínico visa suprimir a menstruação e, consequentemente, impedir a descamação do tecido endometrial ectópico, reduzindo a dor. Para isso, utilizam-se anticoncepcionais combinados, progesterona isolada, dispositivos intrauterinos hormonais e, em alguns casos, bloqueadores hormonais mais potentes.
A cirurgia é indicada em quatro situações principais: quando a paciente apresenta infertilidade associada à endometriose, quando há dor refratária ao tratamento clínico, quando as lesões comprometem órgãos nobres (como intestino, bexiga ou ureteres), e quando há suspeita de transformação maligna de um endometrioma ovariano. A cirurgia exige mapeamento detalhado e deve ser realizada por equipe especializada.

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Esses tratamentos estão disponíveis no SUS? Como a paciente pode conseguir?
Bernardo Lasmar: O tratamento clínico está, em grande parte, disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), especialmente o uso de medicamentos hormonais. No entanto, o acesso ao tratamento cirúrgico é bastante limitado, devido à complexidade do procedimento, necessidade de materiais específicos e exigência de equipe multidisciplinar especializada.
No Hospital Universitário Antônio Pedro, por exemplo, estamos na fase final de aquisição do material necessário e há uma fila de pacientes aguardando o procedimento. A expectativa é que, a partir de 2025, possamos ampliar o atendimento e retomar a realização das cirurgias com maior regularidade.
A endometriose pode dificultar a gravidez?
Bernardo Lasmar: Sim. A endometriose é uma causa conhecida de infertilidade. O ambiente inflamado na pelve interfere no funcionamento dos ovários, trompas e endométrio, além de provocar distorções anatômicas que dificultam a fecundação e a implantação do embrião. Mesmo em casos leves, a presença da doença pode impactar a fertilidade. Nesses casos, o tratamento cirúrgico pode ser indicado para restabelecer as condições reprodutivas ideais.

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Como a endometriose afeta o dia a dia e o bem-estar das mulheres? A mulher tem algum direito específico?
Bernardo Lasmar: A endometriose impacta significativamente a qualidade de vida das mulheres. A dor crônica interfere nas atividades cotidianas, na vida sexual, no trabalho e nos relacionamentos interpessoais. Muitas pacientes desenvolvem quadros de depressão em decorrência do sofrimento constante e da demora no diagnóstico. É na fase pós-menopausa, que grande parte das pacientes apresentam melhora espontânea dos sintomas devido à queda dos níveis hormonais.
Do ponto de vista legal, mulheres com endometriose podem ter acesso a direitos como afastamento do trabalho em casos graves, laudos médicos para justificar faltas e, em determinadas situações, benefícios previdenciários. No entanto, é necessário laudo médico detalhado e acompanhamento regular para garantir esses direitos.
Existem novos tratamentos ou pesquisas sobre a doença?
Bernardo Lasmar: Atualmente, os tratamentos disponíveis têm como foco principal o bloqueio hormonal para controle da dor e prevenção da progressão da doença. No entanto, esses métodos não atuam na causa da endometriose.
Há pesquisas em andamento na área da biologia molecular e imunologia, com o objetivo de compreender melhor a origem da doença e desenvolver tratamentos que ajam diretamente sobre os mecanismos patológicos, como formas de induzir o próprio sistema imune a eliminar os focos de tecido endometrial ectópico. Esses avanços, contudo, ainda estão em fase experimental e não há medicamentos disponíveis no mercado com essa abordagem.
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Bernardo Lasmar é Mestre e graduado em Medicina pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Doutorando em tocoginecologia em curso pela UNESP-SP. Título de especialista em Ginecologia e Obstetrícia (TEGO) pela Febrasgo n°34/2012. Residência médica em Endoscopia Ginecológica (R4) pela UFF, Especialista em Videoendoscopia Ginecológica com atuação nas áreas de Videolaparoscopia e Videohisteroscopia, pela Fundação Oswaldo Cruz. Residência médica em Ginecologia e Obstetrícia pela Fundação Oswaldo Cruz. Professor Assistente de Ginecologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Professor auxiliar de ginecologia da Universidade Estacio de Sá (UNESA) desde 2014. Membro da comissão nacional especializada (CNE) de ENDOMETRIOSE da FEBRASGO (2016-2019). Médico da empresa Ginecologia Endoscópica (GINENDO). Médico do serviço de Ginecologia e Obstetrícia do HCAP – Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro, responsável pelo Serviço de Endoscopia Ginecológica. Tem experiência em cirurgia endoscópica, atuando principalmente nos seguintes temas: histeroscopia, laparoscopia, miomas uterinos, pólipos uterinos, infertilidade, endometriose e dor pélvica. Professor coordenador do curso de extensão de Histeroscopia do Instituto D’or.