A Universidade Federal Fluminense, através do Departamento de Estudos Culturais e Mídia, surpreendeu com sua criatividade ao inaugurar um museu virtual que, além de fornecer amplo acervo, propõe o estudo dos memes – fenômeno cultural típico da internet – como objeto de pesquisa. Quem pensa que memes são apenas uma nova forma de gerar humor nas redes sociais, pode segurar esse forninho.
Com o intuito de explicar a origem e o contexto desse tipo de publicação, o #MUSEUdeMEMES se constitui como plataforma de divulgação científica voltada ao grande público e base de referências acadêmicas sobre o tema, congregando diferentes pesquisadores de todo o país. O projeto, criado e coordenado pelo professor de Estudos de Mídia, Viktor Chagas, reúne estudantes e docentes do curso e alunos da pós-graduação em Comunicação da UERJ.
Apresentando seu atual formato desde junho de 2015, quando foi lançado o website que o abriga, o acervo funciona como segmento virtual de um conjunto de atividades que são desenvolvidas pela equipe do projeto desde meados de 2011, tais como reuniões do grupo de pesquisa coLAB, (meta)laboratório de comunicação, culturas políticas e economia da colaboração e eventos abertos ao público.
Apelidados de #memeclubes, os encontros periódicos são compostos de projeções de memes – semelhantes a cineclubes –, seguidas de debates. Ao longo dos anos, temas como a cultura LGBT, as pessoas que se transformam em celebridades do dia para a noite por causa de memes, eleições, olimpíadas e muitos outros já foram apresentados nos eventos, que com o tempo se transformaram em uma pequena exposição temática, que deu origem, então, à criação do #MUSEU.
Mas, afinal, o que são memes?
Criado na década de 1970, o conceito de meme surgiu ainda muito antes da internet, através do biólogo Richard Dawkins, em seu livro “The Selfish Gene”. Dawkins utilizou a palavra fazendo um paralelo com o termo “gene”, para expressar a ideia de replicação e evolucionismo cultural.
Com o tempo, muitos outros pesquisadores de campos tão diversos quanto a Psicologia, a Filosofia e a Sociologia estudaram o tema, mas só em fins da década de 1990, com a popularização da internet, algumas comunidades virtuais se apropriaram do termo, que passou então a ser compreendido como um conteúdo que circula pelas redes digitais.
A ressignificação da palavra meme motivou o crescimento dessa nova forma de cultura digital, fazendo com que pesquisadores da Comunicação e da Ciência da Informação também se interessassem pelo tema, criando uma comunidade efervescente de produção de conhecimento em todo o mundo.
Não há, entretanto, uma fórmula precisa para o surgimento dos memes e nem para a sua popularização, afinal, a espontaneidade é uma de suas principais características. Propondo conexões entre os mais diversos conteúdos, os memes são complexos informacionais que só significam em conjunto, ou seja, são contextuais, como explica a pesquisadora da área, Limor Shifman.
Importância social
Consenso entre pesquisadores de todo o mundo, os memes são um novo gênero midiático nativo da internet e compõem um nicho comunicativo inédito, sendo necessário, portanto, seu estudo científico. Com diversas camadas semânticas sobrepostas, além de muita intertextualidade envolvida, trazer o debate da internet para a academia é importante para entender como e por que as pessoas pensam e se comunicam da forma atual.
Os memes exigem uma experiência de letramento completamente diferente da habitual, pois é preciso saber ler as referências culturais ali embutidas. As gerações atuais, que já nascem imersas na internet e nas redes sociais, possuem domínio não só da compreensão, mas também da criação dessas mídias, que são inseridas nos mais diversos contextos comunicativos.
Com temáticas que vão do entretenimento à política, essas novas publicações já servem de base para informação, mesmo que de forma superficial. Com isso, além de permitir que notícias circulem e alcancem novos públicos, há um favorecimento da disseminação de informações de modo raso, que pode prejudicar o aprofundamento e contribuir para radicalismos.
O meme como objeto de estudo científico
Pioneiro em toda América Latina, o curso de Estudos de Mídia é um bacharelado oferecido pela UFF com o objetivo de formar profissionais com visão abrangente e integrada acerca dos meios de comunicação. A proposta é que ao final da graduação, o aluno seja capaz de entender o complexo sistema midiático como um todo, acompanhando as transformações e atuando na produção, distribuição e análise de conteúdos.
Interagindo com a proposta do curso, o #MUSEUdeMEMES surgiu de um interesse em discutir o fenômeno de forma aprofundada, promovendo, além disso, reflexões sobre o tema. Segundo Viktor Chagas, é essencial acompanharmos as mudanças na comunicação, principalmente na era da internet, na qual a rapidez e a variedade são características marcantes.
“Conjugando pesquisa e extensão no âmbito da universidade, a proposta é ser também uma provocação sobre o lugar da cultura popular de internet, um questionamento sobre o papel dos museus e da memória popular e, claro, uma plataforma lúdica”, explica o professor que também desenvolve pesquisas nas áreas de Mídia e Política, Economia Política da Informação e Sociologia da Cooperação.
Olha ela, a diferentona que fez um TCC sobre memes!
Graduada em Estudos de Mídia pela UFF, Tsai Yi Jing, realizou em 2011 um trabalho de conclusão de curso (TCC) abordando a temática dos memes. A pesquisa buscou analisar essa forma de cultura participativa na internet – em especial do meme LOLcat –, e entender as motivações pelas quais um usuário se engaja criando e compartilhando esses conteúdos.
Motivada pela carência de estudos na área e pela curiosidade em torno do sucesso destes materiais, a estudante constatou que os memes não são usados apenas para divertir, mas são também formas de integração entre os usuários. “Por mais irrelevantes que alguns conteúdos possam parecer, há um grande potencial de transmitir uma mensagem e também de socializar”, afirma Tsai.
Estas novas práticas de comunicação, como memes, GIFs e emojis, são novos campos para pesquisa e podem ajudar a entender como a cultura da internet está influenciando o modo como nos comunicamos. Análises mais aprofundadas, inclusive, são úteis não só para fins acadêmicos, mas também de marketing, no que diz respeito à comunicação e interações com clientes na internet e de transmissão de mensagens que chamam atenção a causas sociais e políticas, por exemplo, como ferramenta de persuasão.
E no que depender do #MUSEUdeMEMES, essa área de pesquisa tende a crescer. “No futuro, pensamos que podemos transformar a experiência virtual do #MUSEU em uma exposição física num centro cultural. Do lado da pesquisa, temos recebido cada vez mais novos interessados em se unir ao projeto, jovens pesquisadores, mestrandos e doutorandos. A ideia é expandir nossas linhas de atuação para outros universos temáticos relacionados ao fenômeno dos memes de internet”, planeja com entusiasmo o criador do projeto.