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Projeto da UFF propõe prevenção contra desastres nas periferias de Niterói e Angra dos Reis

Programa de pesquisa e extensão da Universidade Federal Fluminense conta com a prefeitura para desenvolvimento de planos de inovação contra deslizamento de terra em comunidades

Niterói é destaque em qualidade de vida e desempenho socioambiental no estado do Rio de Janeiro, mas também é a segunda no ranking de quantidade de comunidades periféricas, conforme indicam os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2024. São pelo menos 36 mil moradias em favelas contabilizadas no município. Já em Angra dos Reis o cenário não é diferente, com mais de 38% da população residindo em áreas suscetíveis a deslizamentos ou inundações. Os estudos para elaboração do Plano Municipal de Redução de Risco de Desastres (PMRR), projeto da Universidade Federal Fluminense (UFF), identificou maneiras de reduzir riscos de desastres  nesses locais.

“O PMRR é um instrumento de ordenação e tem como função identificar as áreas de riscos a desastres no município e propor soluções estruturais, como obras de contenção, e não estruturais, voltadas para medidas educativas, por exemplo”, resume Franciele Zanandrea, professora do Departamento de Engenharia Agrícola e Meio Ambiente da UFF e coordenadora do projeto produzido em parceria com a prefeitura de Niterói e o Ministério das Cidades (MCid).Os planos municipais de redução de risco são feitos pelas prefeituras, porém o Ministério das Cidades, por meio da Secretaria Nacional de Periferias, buscou universidades em todo o Brasil para desempenhar esse papel. No Rio de Janeiro, a UFF foi escolhida para representar o estado, onde as medidas foram estudadas e testadas para comunidades em Niterói e em Angra dos Reis. Segundo Zanandrea, a ideia de buscar a UFF, e outras universidades, para o desenvolvimento desses planos não foi por acaso. “Além de propor inovações e novas metodologias para reduzir riscos de desastres, as universidades também têm a oportunidade de pautar o tema por um viés educacional, com a capacitação de equipes para trabalhar na área no futuro”.

“Em um contexto de acentuadas mudanças climáticas e eventos extremos cada vez mais frequentes, promover a resiliência a desastres das comunidades periféricas faz parte da nossa missão institucional”, adiciona Anderson Sato, coordenador do projeto no município de Angra do Reis e professor do departamento de Geografia e Políticas Públicas da UFF. “Entendemos o PMRR como uma grande janela de oportunidades para ampliar e intensificar a atuação do Instituto de Educação de Angra dos Reis da UFF junto aos territórios vulnerabilizados do município”, completa.

Desastres naturais, causas sociais

De acordo com Zanandrea, apesar de ser comum as pessoas afirmarem  que os desastres são de origem natural, eles são socialmente construídos. A definição de risco está baseada no cruzamento do perigo e da vulnerabilidade, afirma a professora. “Os locais de maior risco são principalmente  devido a questões sociais e, nesse sentido, é possível afirmar que o PMRR não apenas efetua intervenções técnicas para a segurança dos moradores de periferias, mas também luta contra desigualdades relacionadas ao direito de moradia segura para todos”.

Para Sato, os resultados do trabalho têm um valor significativo para as comunidades. “Não apenas olhamos para as periferias com a perspectiva acadêmica, mas, sim, olhamos junto com os comunitários para promover a resiliência destes territórios”, afirma.

Os PMRRs podem englobar todos os riscos naturais, como inundações, alagamentos, queimadas, entre outros, mas os projetos em questão têm enfoque em movimentos de massa. “Considerando o tempo, o tamanho da equipe e a complexidade de um município como Niterói, a primeira escolha que fizemos como grupo foi centralizar os estudos e testes em situações de deslizamento de terra”, explica a professora de Niterói. Em Angra dos Reis também houve priorização dos movimentos de massa, pois respondem por 98% das mortes por desastres no município da Costa Verde fluminense.

Para isso, em Niterói, o grupo composto por alunos de graduação, doutorado e pós-doutorado da UFF junto aos professores identificaram 15 comunidades periféricas da cidade, e classificaram as áreas em riscos médios, altos ou muito altos. Para isso, realizaram modelagens em laboratório, e em seguida definiram as possíveis intervenções e, por fim, chegaram à etapa atual de devolutiva dos resultados para os moradores e apresentação dos planos para a prefeitura.

Mais de 20 alunos e professores já passaram pelo projeto de extensão da UFF. Foto: Franciele Zanandrea/Arquivo pessoal

Índice de Risco, mapeamento das comunidades e hierarquização dos setores 

O primeiro passo foi a seleção de quais bairros periféricos seriam contemplados no estudo. “Nós criamos um índice que delimitou e ordenou as comunidades do município em grau de risco para saber onde começar e, com uma linha de corte, conseguimos definir 15 no total”, explica a coordenadora. O projeto trabalhou com as informações da Defesa Civil sobre as ocorrências de deslizamento em Niterói e os dados de Assistência Social, adquiridos pelo Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), além de modelos de suscetibilidade a movimentos de massa.

O Índice de Risco (IR) mencionado pela coordenadora é uma funcionalidade criada pelo grupo que leva em consideração o perigo versus a vulnerabilidade para compreender as características específicas de cada local. Além disso, também foi necessário o desenvolvimento de uma escala espacial própria para o estudo, para que o tamanho dos bairros não influenciassem nas variáveis do IR, uma vez que, quanto maior o índice, maior o risco. Dessa maneira, as comunidades foram reorganizadas em hexágonos de mesmo tamanho e a aplicação do IR foi feita para cada um deles, obtendo um índice independente da área. Com as informações precisas sobre cada localidade, o grupo conseguiu definir as áreas de trabalho e setorizar cada uma delas.

Em seguida, foi a vez da etapa de mapeamento participativo, que contou com a ajuda dos moradores das favelas, essencial para o desenvolvimento do PMRR. Esse processo consistiu no diálogo com as pessoas que moram, conhecem e estão diretamente envolvidas com os locais, “pois ninguém melhor do que quem vive ali para conhecer o próprio território”, comenta Zanandrea. Os residentes das comunidades receberam um mapa e sinalizaram as áreas identificadas com “potenciais riscos”, como casas com paredes rachadas, estruturas cedendo ou árvores deslizando. “Pedimos para a população marcar os locais que eles entendem como importantes de serem olhados e recuperados dentro da comunidade, ou seja, áreas de interesse social”, complementa a professora.

Foto: Franciele Zanandrea/Arquivo pessoal

O projeto tinha um prazo de execução , portanto, os pesquisadores trabalharam com dados secundários do solo, dentro dos modelos matemáticos de suscetibilidade a movimentos de massa, realizados em laboratório na UFF. “O modelo usado leva em consideração a declividade do terreno, a concentração de fluxo de água, características do solo e os locais onde já ocorreram eventos de deslizamentos”, explica a pesquisadora. “Juntando as informações que os moradores nos deram com os modelos que testamos, já sabíamos para onde ir”, conta. 

Em campo, imagens de drone, fichas de campo e informações locais são levantadas para compreender os perigos e vulnerabilidades dos locais e propor soluções. Na divisão por categoria, as soluções podem ser classificadas em dois tipos: estruturais: obras e intervenções físicas, ou não estruturais: medidas educativas, como a difusão de informações sobre desastres, e, até mesmo, a criação de sistemas de alerta para as comunidades. “A melhor maneira de reduzir o risco é, primeiro, conhecê-lo para se proteger”, relembra a professora.

No momento, em Niterói, o projeto está na etapa de devolutiva para as comunidades. “Estamos retornando aos locais para entregar o mapa que os residentes  fizeram para deixar na associação de moradores, e estamos levando cartilha educativas sobre desastres e o mapeamento de risco feito na comunidade para serem compartilhadas”, conta. “Esse movimento é extremamente importante e traz muita informação”.

Ainda segundo Zanandrea, é essencial que as pessoas se apropriem do conhecimento sobre o próprio território para, então, se defenderem. “A autoproteção é a primeira coisa para aprender”, afirma. “E, não apenas o conhecimento do próprio território, mas a apropriação da ferramenta como um instrumento de cobrança de órgãos públicos para a resolução dos problemas e para que o plano se torne efetivo”.

Além disso, o professor Anderson Sato confirma que em Angra dos Reis a expectativa da comunidade tomar para si tais conhecimentos é a mesma, tendo em vista a parceira com a população: “temos no PMRR de Angra sementes muito sadias que em um futuro breve germinarão e servirão base para a construção de Planos Comunitários de Resiliência a Desastres e Adaptação às Mudanças Climáticas”, conta o coordenador.

Educação e governo em conjunto

Junto à prefeitura de Niterói, o grupo do Plano Municipal de Redução de Risco de Desastres (PMRR) criou um comitê com diversas secretarias para o desenvolvimento do projeto. “A Defesa Civil, por exemplo, nos acompanhava nas visitas junto com os líderes comunitários, que faziam apontamentos importantes”, conta a coordenadora, que considera o envolvimento de várias frentes no combate aos desastres na cidade muito importante para que a resolução do problema seja efetiva. “Quando acontece um desastre diversos serviços são afetados, como o trânsito, que precisa ser reorganizado, e mesmo antes do desastre, como a limpeza urbana, responsável pelo desafio da remoção dos lixos das encostas. São diversas secretarias envolvidas em todo o processo”, explica.

“O PMRR é uma grande janela de oportunidades”, afirma o coordenador do projeto em Angra dos Reis. Foto: Anderson Sato/Arquivo Pessoal

O comitê responsável por acompanhar todo o processo de criação do PMRR é composto por membros de diversos setores da sociedade como  educação, saúde, ciências sociais, engenharias, a academia, representada pela UFF, e a Defesa Civil. Cada um participou das etapas do desenvolvimento do plano municipal e, ao todo, foram cinco reuniões para adequar os detalhes e conseguir chegar a um resultado satisfatório e verdadeiramente seguro para a população. 

“O PMRR é o primeiro passo para um município conseguir verba via Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e receber dinheiro do governo federal para fazer as obras necessárias”, exemplifica a professora. No futuro, será realizada uma audiência pública em Niterói com a UFF, as secretarias envolvidas e o Ministério das Cidades para formalizar a entrega do plano para o município. “Este plano auxiliará a prefeitura a captar recurso financeiro para dar início às obras nas comunidades”.

Apesar de ter sido desenvolvido para locais específicos, a metodologia também pode ser agregada em diversos outros municípios do país. “O Índice de Risco (IR) foi aplicado em Niterói, mas qualquer outra cidade que tenha os dados necessários de cada comunidade ou região, observando as peculiaridades locais e possuam profissionais nas áreas de estabilidade de encostas e hidrologia, pode adotar a ferramenta”, explica a professora Zanandrea. 

O PMRR inclui um site em que todos podem acessar para verificar quais regiões da cidade de Niterói são mais suscetíveis ao deslizamento de terra e “isso pode auxiliar diversas áreas da gestão pública a pensar no plano diretor, por exemplo”, acrescenta a pesquisadora.

As visitas técnicas nas comunidades eram feitas com os moradores e agentes da Defesa Civil dos municípios. Foto: Franciele Zanandrea/Arquivo pessoal

“Niterói é bastante evoluída em termos de gestão de desastres quando comparada a outras cidades no Brasil”, ressalta a coordenadora. “Já temos sistemas de alerta, capacitações comunitárias para desastres e outros projetos legais”, conta. Com o Plano Municipal de Redução de Riscos de Desastres e o aperfeiçoamento de projetos já existentes, o objetivo é que o governo federal possa fortalecer ainda mais as políticas públicas voltadas às áreas periféricas.

Mudanças em Angra dos Reis

Com base em uma “metodologia de estudo e proposições como uma verdadeira tecnologia social”, o PMRR também foi implementado em 35 comunidades de Angra dos Reis envolvendo mais de 3.400 participações, indica Anderson Sato. O professor conta que o plano integra os saberes populares das comunidades insulares e continentais ao conhecimento técnico-científico dos acadêmicos da UFF e servidores da prefeitura do município. 

Foram mais de 200 atividades durante um ano e meio de trabalho em conjunto com a população angrense e oficinas participativas que construíram estratégias de proteção contra desastres nas periferias baseadas no Marco Internacional de Sendai, “o mais importante documento de orientação das políticas internacionais de gestão de riscos de desastres”.

A participação da comunidade na realização dos planos foi fundamental, afirmam os coordenadores. Foto: Anderson Sato/Arquivo Pessoal

De acordo com o coordenador do plano de Angra dos Reis, os relatórios específicos gerados pelo projeto são cruciais para o governo municipal conseguir suporte financeiro e técnico, como a “captação de recursos federais” e a “estruturação de um planejamento estratégico alinhado com a Política Municipal e Nacional de Proteção e Defesa Civil”, “Apoiamos a prefeitura na submissão de uma carteira de projetos ao Novo PAC-Encostas, visando captar recursos para obras de drenagem e contenção dos setores de risco de maior prioridade dentre os mais de 120 mapeados como de risco alto ou muito alto em todo o município”, acrescenta. Como resultado concreto desta parceria entre a UFF, a Prefeitura de Angra dos Reis e a Secretaria Nacional de Periferias do Ministério das Cidades, na última semana a cidade de Angra dos Reis teve um recurso de aproximadamente R$ 40 milhões aprovados pelo PAC-Encostas para obras de contenção indicadas pelo PMRR.

A audiência pública foi mais um momento de escuta ativa da população, poder público e sociedade civil angrense para a elaboração do PMRR de Angra dos Reis. Foto: Prefeitura de Angra dos Reis.

Os projetos da UFF

A elaboração dos Planos de Redução de Riscos de Desastres faz parte do Termo de Execução Descentralizada firmado entre a Secretaria Nacional de Periferias (SNP) do Ministério das Cidades e Fundação de apoio à Fiocruz, respaldado nos municípios de Niterói e Angra dos Reis pelo Acordo de Cooperação Técnica firmado entre a UFF e a SNP/MCid.

“Temos ciência que os planos precisam ser ampliados e atualizados, uma vez que os territórios são vivos e pulsantes, mas também temos certeza que a UFF entrega um produto de alta qualidade e aplicabilidade para a redução de riscos de desastres, construído de forma participativa com seus parceiros institucionais e comunitários das cidades”, conta Sato.

O PMRR é também fruto do Grupo de Análises e Pesquisas em Hidrologia e Desastres da UFF, o GRAPHID, vinculado ao departamento de Engenharia Agrícola e Meio Ambiente e do Grupo de Pesquisa em Desastres Sócio-Naturais (GDEN) do Departamento de Geografia e Políticas Públicas. Para além dos projetos municipais, os participantes também desenvolveram outros estudos, como o SALAD, um sistema de alertas antecipado de deslizamento de terra com foco no estado do Rio de Janeiro, que conta com financiamento do Ministério de Ciência e Tecnologia com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ).

Segundo Zanandrea, o desenvolvimento do plano em Niterói contou com três professores, uma pesquisadora de pós-doutorado, uma aluna de doutorado, dois alunos de mestrado e seis bolsistas de graduação em diferentes cursos da UFF, além de outros alunos voluntários. Em Angra dos Reis a equipe foi composta por três professores do Departamento de Geografia e Políticas Públicas e um professor da Escola Politécnica da UFRJ, além de dois profissionais egressos da UFF, uma   pós-graduanda de especialização da TERESA/UFF e dois graduandos em Geografia do Instituto de Educação de Angra dos Reis/UFF.

 

Franciele Zanandrea é professora do departamento de Engenharia Agrícola e Meio Ambiente da Universidade Federal Fluminense. É mestre e doutora em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental e é graduada em Engenharia Ambiental. Líder do Grupo de Análises e Pesquisas em Hidrologia e Desastres (GRAPHID) da UFF. 

Anderson Sato é professor do departamento de Geografia e Políticas Públicas da UFF. É mestre, doutor e tem pós-doutorado em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e é graduado em Ecologia também pela UFRJ. Sato é professor da Especialização em Gestão de Territórios e Saberes (TERESA/IEAR), do mestrado acadêmico Território, Sociedade e Políticas Públicas (TSPP/UFF) e líder do Grupo de Pesquisa em Desastres Sócio-Naturais (GDEN) da UFF.

 

Por Letícia Souza.
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