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Relatório revela avanço da exploração e violações de direitos em conflitos de mineração no Brasil

Número de pessoas afetadas pelos conflitos subiu mais de 300% em 2023

O Relatório de Conflitos da Mineração no Brasil em 2023, divulgado pelo Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, revela um panorama alarmante de violações de direitos e impactos socioambientais em todo o território nacional. Em média, mais de duas ocorrências de conflito relacionadas à mineração ocorreram por dia no país. Em 2023, o Brasil contabilizou 901 ocorrências de conflitos ligadas à mineração, uma queda de 6% em relação a 2022, porém com um aumento expressivo no número de afetados, que saltou de 688 mil para 2,8 milhões. Os dados apontam, ainda, que 786 localidades foram registradas como cenário de conflitos envolvendo mineração, distribuídas em todos os estados brasileiros, exceto o Distrito Federal. 

De acordo com o professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e um dos signatários do estudo, Luiz Jardim de Moraes Wanderley, as principais conclusões da pesquisa mostram que a mineração ainda causa conflitos e violações de direitos ambientais e sociais no Brasil recorrentemente. O levantamento aponta uma estabilidade dos números de conflitos em relação a 2022 ao registrar o patamar elevado de mais de 900 ocorrências no ano. “É importante destacar que esses são apenas os dados observáveis. Há muitas outras comunidades afetadas que não tiveram visibilidade em 2023 e, portanto, não puderam ser tabuladas no levantamento”.

Expansão dos Conflitos

O crescimento exponencial no número de pessoas afetadas é preocupante. Em 2022, eram aproximadamente 688.573 atingidos, enquanto, em 2023, o número subiu 308,1%, envolvendo, ao menos, 2.810.230 pessoas. Parte desse aumento se deve à inclusão de mais de 2,4 milhões de pessoas afetadas pelo desastre do Rio Doce, causado pelo rompimento da barragem da Samarco-Vale-BHP em 2015. 

“O crescimento no número de pessoas afetadas está diretamente relacionado a uma ação judicial movida por atingidos e prefeituras contra a BHP Billiton na Corte de Justiça do Reino Unido”, afirma o especialista. “Essa ação inédita gerou um intenso embate entre o judiciário brasileiro e o britânico, além de ameaças contra municípios brasileiros que buscaram reparação pelos danos sofridos. Esses conflitos ao longo do Rio Doce representam aproximadamente 80% das pessoas afetadas pela mineração em 2023”.


Distribuição das ocorrências em conflito por município em 2023 / Conflitos da Mineração no Brasil 2023: Relatório Anual

Mapa das regiões mais atingidas

Os estados que concentram mais localidades em conflito são Minas Gerais (31,9%), Pará (13,7%) e Bahia (9,0%). Minas Gerais também lidera o ranking de pessoas atingidas (51,8%), seguido pelo Pará (13,9%) e Alagoas (10,1%). 

Dentre os biomas, o mais afetado pela mineração é a Mata Atlântica, que sofre, em especial, devido à atividade em Minas Gerais, particularmente na região do Quadrilátero Ferrífero, concentrando 48,5% dos registros. Os conflitos incluem desmatamento, contaminação de bacias hidrográficas e impactos sobre unidades de conservação. Já a Amazônia foi afetada em 27,4% dos conflitos, em razão da  expansão acelerada dos garimpos ilegais e a presença de grandes corporações como Hydro Alunorte, Vale e Mineração Rio do Norte, que protagonizam conflitos e violações ambientais e sociais. Outros biomas que sofrem com os conflitos são a Caatinga (12,8%) e o Cerrado (10,2%). 

O município de Brumadinho, em Minas Gerais, aparece como o que mais concentra conflitos pelo quarto ano consecutivo, com 22 localidades e 28 ocorrências, majoritariamente relacionadas ao desastre da barragem da Vale. A expansão geográfica dos conflitos indica não haver apenas uma repetição de problemas nas mesmas localidades. Wanderley destaca que “esses novos registros demonstram, por um lado, o avanço de atividades minerárias em áreas inéditas, sobretudo a mineração ilegal, e, por outro, o fortalecimento de novas resistências em diferentes partes do Brasil”. Dessa forma, mais da metade das localidades registradas em 2023 são novas, mas também há a persistência de conflitos em regiões já monitoradas nos últimos anos.


Destruição por rompimento de barragem. Foto:  José Cruz/Agência Brasil

 

Reflexos sociais

A mineração impacta diretamente comunidades tradicionais, como indígenas e quilombolas. O documento mostra situações que envolvem invasão de territórios, contaminação das águas, ameaças às populações locais, alteração e inviabilização de seus modos de vida, além da falta de consulta prévia e informada para a instalação de empreendimentos minerários. Esses grupos também enfrentam ameaças, especialmente em razão da atuação de empresas transnacionais em seus territórios.

Essa violência extrema associada aos conflitos da mineração traz graves implicações sociais e legais. “É fundamental responsabilizar tanto garimpeiros quanto mineradoras pelas violações que vêm cometendo contra as populações do campo e da cidade no Brasil”, pontua o especialista. Ele também destaca que o Estado brasileiro deve atuar “mais firmemente no controle das mineradoras, na judicialização das violências e na responsabilização dos agentes envolvidos nos conflitos”.

Estratégias de proteção

Os conflitos por terra e por água são os mais recorrentes, com 567 e 246 ocorrências, respectivamente. O argumento da rigidez locacional – que sustenta a mineração com a justificativa de que a extração de minérios só pode ocorrer em locais específicos – é um objeto de constante debate. Para mitigar esses impactos, o especialista argumenta ser necessário implementar políticas públicas eficazes que protejam os territórios e impeçam a priorização da mineração em detrimento dos direitos das comunidades locais.


Principais tipos de violadores de 2020 a 2023 / Conflitos da Mineração no Brasil 2023: Relatório Anual

Empresas como a Vale e a Braskem estão entre as maiores responsáveis pelos conflitos gerados pela mineração. “Tanto a Vale quanto a Braskem têm uma responsabilização extremamente limitada em relação aos impactos e conflitos que provocam. Em nenhum momento se cogitou suspender suas licenças de operação, nem revogar as isenções fiscais e os financiamentos públicos que essas empresas recebem. Além disso, multinacionais de países como Inglaterra, Canadá e Austrália seguem um modelo predatório global, explorando regiões periféricas sem qualquer respeito pelos direitos humanos ou ambientais”, complementa Wanderley sobre a atuação de empresas estrangeiras no Brasil.

Ainda que as comunidades afetadas reajam às violações, suas ações são limitadas. “Hoje, há mais de 900 conflitos ligados à mineração, mas menos de 100 registros de reações organizadas contra essas violações”, destaca o especialista. Para ele, “o Estado deve atuar como mediador, garantindo que as mineradoras sejam responsabilizadas e que as comunidades recebam o devido suporte jurídico e social”.

Principais nacionalidades das empresas internacionais em 2023 / Conflitos da Mineração no Brasil 2023: Relatório Anual

Desafios para mudanças efetivas nos conflitos da mineração no Brasil

Para iniciar o processo de transformação dessa realidade, o especialista enfatiza a necessidade de repensar o modelo mineral brasileiro e defende ser preciso garantir mais transparência e participação da sociedade civil na definição das políticas minerais do país. “O que a pesquisa demonstra, ano após ano, é que o Brasil opera sob um modelo mineral extremamente violento, poluidor e desigual”. 

O relatório destaca que, para mitigar os danos e conflitos gerados pela exploração mineral, é necessário avançar em políticas públicas de regulação, proteção ambiental e fortalecimento dos direitos das comunidades atingidas. Enquanto isso, a mineração segue sendo uma das atividades econômicas mais impactantes no Brasil, tanto do ponto de vista econômico quanto socioambiental. 

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Luiz Jardim de Moraes Wanderley é professor do Departamento e Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense – UFF. Geógrafo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2006/2007), Mestrado (2008) e Doutorado em Geografia na mesma instituição (2015), com estágio de bolsa sanduíche na Vrije Universiteit Amsterdam – VU (2012/2013). Atualmente é coordenador do Grupo de Pesquisa e Extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade – PoEMAS e do Laboratório de Movimentos Sociais e Territorialidade – LEMTO da UFF, ainda colabora no Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração.

 

Por Gabriel Guimarães
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