História

Democracia e desenvolvimentismo na criação da UFF

O contexto de criação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, denominação inicial da Universidade Federal Fluminense, remonta aos efervescentes e tumultuados anos de 1950, ainda que a data oficial de sua fundação seja 18 de dezembro de 1960, quando foi aprovada a Lei 3.848, de autoria do deputado federal João Batista de Vasconcellos Torres.

De um lado, o país mergulhado em uma experiência democrática, sem igual no século XX, ancorada na reorganização partidária e na multiplicação de movimentos da sociedade civil, como nas transformações implementadas pelo plano de metas de Juscelino Kubitschek. De outro, o antigo Estado do Rio de Janeiro, na sua histórica luta para superar os desníveis econômicos e sobreviver à hegemonia política da capital federal.

De caráter nacional-desenvolvimentista, a política econômica do governo JK prometia retirar o Brasil do atraso secular para figurar entre as nações mais prósperas. Nessa conjuntura, a educação pontificou como uma das metas chaves para se processar a tão desejada mudança.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) - aprovada em 1961, em última instância, foi norteada no sentido de amparar o projeto desenvolvimentista brasileiro, erradicando o analfabetismo, ampliando o número de vagas e promovendo a criação de instituições de ensino superior.

Por uma Universidade Fluminense

No que se refere à realidade local, a fundação da Universidade Federal Fluminense obedeceu a outros propósitos, expressando o duplo desejo da sociedade local. Em primeiro lugar, alavancar seu desenvolvimento econômico, ainda marcado pela agricultura decadente. Em segundo, elevar sua autoestima em relação à vizinha capital federal, procedendo à intensificação dos padrões urbanos, o que também lhe possibilitava abrigar os anseios dos setores médios, ao formar, dentre outros, engenheiros, médicos, dentistas, advogados.

Há ainda que se considerar que na década de 1950, especialmente a partir da construção de Brasília, no Planalto Central, o preceito constitucional da transferência da capital federal, do Rio de Janeiro para o interior do país, se efetivou, transformando o destino da cidade do Rio de Janeiro e do Estado do Rio em um problema iminente a ser a resolvido.

Diante dessas expectativas, a sociedade fluminense se mobilizou para obter do governo federal sua universidade. Pode-se afirmar mesmo que a Uferj foi conquistada pela opinião pública local, sobretudo pelos estudantes fluminenses, em praça pública. O governador Roberto Silveira, o jornal O Fluminense e outras expressivas lideranças locais, como o então deputado Vasconcellos Torres, desempenharam importante papel.

A criação da Uferj se deu, portanto, imbuída de um projeto de desenvolvimento para a região fluminense, que traduzia por sua vez o desejo de afirmação do Estado do Rio de Janeiro em relação ao antigo Distrito Federal.

Na ocasião, a universidade nascente se beneficiou da federalização e/ou incorporação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras; da Faculdade de Ciências Econômicas; da Faculdade Fluminense de Engenharia; da Faculdade de Odontologia; da Faculdade Fluminense de Medicina, de Farmácia e de Direito; da Escola de Serviço Social e da Escola de Enfermagem.

Entre 1960-1968, a Uferj, posteriormente UFF (Lei 4.831, de 1965), vivenciou um atribulado processo de institucionalização, que refletiu de certa forma a radicalização política que tomou conta do país.

O movimento estudantil e a criação da UFF

É inestimável a contribuição da União Fluminense de Estudantes (UFE) para a criação da UFF. Desde a década de 1940, os estudantes fluminenses destacavam-se no cenário nacional. Em 1942, amparados pelo interventor Ernani do Amaral Peixoto, lideraram o protesto para a entrada do Brasil na guerra contra o Eixo. Grandes passeatas em Niterói e no Rio de Janeiro desafiaram a polícia de Filinto Müller, o truculento chefe da polícia política do Estado Novo.

Na década de 1950, a UFE, antecipando-se ao Estado, tomou para si a defesa de uma universidade federal para o Estado do Rio de Janeiro. Em 1958, os estudantes, apoiados pelo então candidato a governador Roberto Silveira, favorável à federalização das faculdades existentes, pressionaram os deputados federais fluminenses para encaminharem projetos em favor da criação de uma universidade local. Sob a liderança do acadêmico de Medicina João Kiffer Neto, provaram a existência de dotação orçamentária dentre os recursos do MEC para tal.

Um dos momentos marcantes dessa jornada foi a entrevista concedida à TV Tupi, pelo então governador de São Paulo Jânio Quadros, que caracterizava as faculdades existentes em Niterói como fábricas de diplomas. A repercussão negativa das declarações daquele que viria a ser o futuro presidente da República em 1961, endossou os esforços dos estudantes fluminenses em prol de uma universidade para o seu estado, o que, acreditavam, viria a moralizar os cursos superiores existentes na cidade, notadamente da Faculdade de Direito. Os acadêmicos de Medicina, que eram obrigados a realizar parte de suas atividades estudantis no Rio de Janeiro, lutavam ainda pela melhoria da infraestrutura das faculdades locais e pela construção de um hospital universitário na própria cidade.

Vale dizer que a direção da UFE, em 1959, chegou a encaminhar ao governador do estado um antiprojeto para a criação da Uferj. Nesse momento, o tradicional jornal O Fluminense juntou-se aos estudantes na luta por uma universidade federal para o Estado do Rio de Janeiro, por intermédio da produção de debates  e mesas-redondas, que reuniram autoridades educacionais da cidade, políticos, professores e  líderes estudantis.

Em fevereiro de 1960, o ministro da Educação e Cultura da época Clóvis Salgado recebeu uma ampla comissão de estudantes e políticos fluminenses para negociar um projeto substitutivo que previsse a integração das instituições de ensino superior da cidade à Uferj. Em março de 1960, O Fluminense reabriu sua campanha em favor da criação de uma nova universidade. Em 26 de abril, um grande comício popular, com adesão do governador Roberto Silveira, marcou a inauguração da tribuna estudantil na Praça Martin Afonso, que objetivava, sobretudo, acolher as reivindicações e manifestações populares em prol da criação da Uferj.

Em 8 de dezembro, o recém-eleito presidente da UFE Cláudio Moacyr vai para a nova capital, Brasília, acompanhar a tramitação no Senado Federal do substitutivo nº 101(1.327-B). Em 18 de dezembro, o projeto transformava-se na Lei 3.848, sancionada por Juscelino Kubitscheck em 22 do mesmo mês. Surge, finalmente, a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

Na ocasião, a Uferj se beneficiou da incorporação das faculdades federais de Medicina (1926), Farmácia e Odontologia (1912), Direito (1912) e Medicina Veterinária (1936) e agregou outras cinco, das quais três eram estaduais: Engenharia (1952), Serviço Social (1945) e Enfermagem (1944); as outras duas, Filosofia (1947) e Ciências Econômicas (1942), eram particulares.

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A atualização mais recente deste conteúdo foi em 05/01/2015 - 17:16