Olhar histórico sobre o clima: amostras evidenciam formação da biodiversidade amazônica

Crédito da fotografia: 
Mário Vilela / Funai
Estudo da Universidade Federal Fluminense (UFF) verifica mudanças climáticas com amostra dos últimos dois milhões de anos.

A Amazônia é uma região importante mundialmente. Ela abriga a maior biodiversidade do planeta, possuindo 50% de todas as espécies de plantas terrestres. A floresta e os seres vivos do ambiente evoluíram em conjunto e são reflexo das oscilações climáticas ao longo dos anos. Com a finalidade de compreender como o clima dos últimos dois milhões de anos influenciou a floresta e a diversidade biológica, a Universidade Federal Fluminense (UFF) tem investigado a evolução climática da Amazônia. O estudo é fruto de uma parceria com as seguintes instituições: Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Duke, Universidade da Carolina do Leste, Universidade do Nebraska e Centro Nacional de Serviço Geológico dos Estados Unidos. 

Inicialmente, uma parceria entre a UFF e a Universidade de Duke, em 2008, através do professor Cleverson Guizan, orientador do estudo e docente da UFF na área de geociências, possibilitou a coleta de sedimentos na Bacia da Foz do Amazonas. Esses testemunhos começaram a ser analisados tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. A continuidade das investigações revelou que uma das amostras possui o registro mais completo de tempo geológico, abrangendo o período quaternário, os últimos dois milhões de anos.


Foto: Equipe de pesquisadores. Da direita para esquerda: Allan Sandes (UFF), Cleverson Guizan (UFF), Cristiano Chiessi (USP), Paul Baker (Duke), Catherine Rigsby (ECU) e Fabrício Ferreira (UFF) / Reprodução: Arquivo pessoal de Allan Sandes.

Os sedimentos coletados contêm uma mistura de materiais, alguns provenientes do continente (pela ação das chuvas, secas, etc) e outros produzidos na coluna d’água. Dessa mistura é possível extrair informações geoquímicas para estabelecer uma linha cronológica de transformações. Como a região amazônica tem um longo período de evolução, essas mudanças ficam registradas no sedimento. “Nós também estudamos as carapaças de microrganismos que vivem na coluna d’água e no fundo do mar. Quando esses organismos morrem, eles vão para o fundo e se incorporam aos sedimentos. As técnicas de análise das carapaças informam, principalmente, quais seriam as mudanças na temperatura da água. Assim, podemos associá-las às mudanças do clima e de precipitação", comenta Cleverson Guizan.  

O estudo é desenvolvido por Allan Sandes, pós-doutorando do Programa de Pós-Graduação em Dinâmica dos Oceanos e da Terra da UFF. De acordo com Guizan e Sandes, a evolução climática funciona como um termômetro: ela auxilia na compreensão de como se formou a biodiversidade da região. Por isso, o objetivo do estudo contínuo é investigar as variações climáticas e as mudanças oceanográficas da Margem Equatorial do Atlântico Sul, na região da Amazônia. Em decorrência da crise climática atual, é importante compreender como funcionam os mecanismos climáticos desse local, a fim de propor ações efetivas para o futuro.

A pesquisa utilizou um testemunho extraído de um monte submarino na Bacia Pará-Maranhão, abrangendo os últimos 1,8 milhões de anos. No trabalho publicado pelo grupo de pesquisadores no primeiro semestre de 2023, é apresentada a reconstrução da vegetação do período quaternário até a atualidade. As análises foram baseadas em dados de pólen, reconstruções de biomas e métricas de biodiversidade. Desse modo, foi possível documentar a história do bioma amazônico, o impacto do clima e da mudança de CO₂ nas vegetações.

 

Foto: Allan Sandes realiza a análise do sedimento marinho / Reprodução: Arquivo pessoal de Allan Sandes.

Os dados revelaram mudanças na floresta tropical ao longo do período estudado (1.8 milhões de anos). Além disso, evidenciaram uma alta variabilidade climática na região, com períodos mais úmidos alternados com secas.

 

 

Os resultados confirmam a sensibilidade da vegetação em relação a alterações de CO₂, de temperatura e à disponibilidade de umidade. “Observamos que, ao longo de dois milhões de anos, tivemos uma variação significativa na região equatorial do Brasil. Em muitos casos, resultou em longos períodos de seca, assim como em períodos mais chuvosos. Conhecemos uma Amazônia úmida e chuvosa. Mas, no tempo geológico estudado, parece que choveu mais do que agora, em razão das condições climáticas daquele período", destaca Allan Sandes.

O estudo constatou a presença da floresta tropical em áreas da bacia amazônica desde o período do Pleistoceno Médio. Durante o início da Transição do Pleistoceno Médio, a floresta tropical se expandiu pela Amazônia. Posteriormente, o resfriamento e a diminuição de CO₂ ocasionaram mudanças na floresta, com elementos mais frios e possivelmente mais secos. O clima global e a vegetação amazônica mudaram durante os últimos 400 mil anos. As altas temperaturas e os níveis de CO₂ nos estágios interglaciais, provavelmente, favoreceram a expansão da floresta tropical de planície.

O trabalho demonstra as oscilações no clima da região. De acordo com Sandes, essas variações têm potencial para fazer com que as espécies evoluam de formas distintas. Essa evolução das espécies dentro da floresta amazônica explicaria toda a biodiversidade existente hoje. “Quando pensamos em estudar a Amazônia, pensamos diretamente em fatores globais ou orbitais, que é exatamente a distância da Terra em relação ao sol. Isso muda em centenas de milhares de anos. Essas transformações que conseguimos observar, como mudança de temperatura das massas de água, resultam em mais umidade entrando no continente. Isso também vai influenciar diretamente na biodiversidade da Amazônia”, aponta Sandes.

A riqueza da amostra e a existência de outros sedimentos, que ainda não foram analisados, são o motivo da continuidade das pesquisas. As descobertas ajudam a entender como as mudanças climáticas afetariam a região equatorial e a América do Sul. De acordo com Sandes, os estudos mostram, na faixa de tempo de dois milhões de anos, como o clima variou. Logo, a partir da compreensão do comportamento climático deste território, é possível ter uma análise mais assertiva de um futuro climático para a região. 

Atualmente, o docente Cleverson Guizan integra o Projeto de Perfuração Transamazônica (TADP na sigla em inglês) iniciado em junho, no município acreano de Rodrigues Alves. O empreendimento internacional, baseado em perfurações profundas na região amazônica, tem a finalidade de extrair amostras com até 65 milhões de anos, abrangendo o período cenozoico. O objetivo da ação é expandir as investigações sobre a história evolutiva da Amazônia.

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