Além das minas: relatório traz dados sobre conflitos de mineração no Brasil

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O documento mostra que a violência em conflitos de mineração é crescente e que em 2022 houve um aumento de 22,9% das localidades envolvidas em comparação a 2021.

O Brasil é um país rico em recursos minerais, e a mineração é uma atividade que desempenha um importante papel nas exportações, sendo responsável por 4% do PIB nacional. Contudo, é amplamente reconhecido que os conflitos e desastres em áreas de mineração tem sido cada vez mais alarmantes com o passar dos anos. Só em 2022 foram 45 mortes relacionadas à atividade de mineração, de acordo com o Relatório de Conflitos da Mineração no Brasil (2022), lançado ontem. O relatório é fruto de uma iniciativa inovadora, liderada pelo Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, em parceria com a Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenada pelo geógrafo e professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFF, Luiz Jardim Wanderley.

O Mapa dos Conflitos tem o objetivo de visibilizar, sistematizar e monitorar as violações cometidas pelo setor mineral brasileiro nos meios urbano e rural. O mapeamento incluiu empresas mineradoras e de transformação mineral (nacionais e internacionais), assim como garimpos. “Desde 2020, o projeto tem acompanhado os conflitos gerados pelo setor mineral em diversas localidades do país, afetando distintos atores e comunidades. A relevância desse monitoramento reside na capacidade de fornecer um primeiro diagnóstico da violência associada ao setor. Permite identificar os impactos da mineração, as empresas envolvidas e as infraestruturas que mais prejudicam as comunidades. Essa análise é crucial para compreender o comportamento do garimpo e da mineração industrial”, explica Luiz.

Os indígenas foram o primeiro grupo social mais violado pela extração ilegal de minérios, representando 31,9% das ocorrências ligadas a esse segmento - Luiz Jardim Wnderley

No monitoramento dos conflitos relacionados à mineração no Brasil, Luiz aponta que é fundamental destacar que tais situações impactam as comunidades locais de diversas maneiras. “Os efeitos negativos se manifestam de maneiras variadas, desde a perda de vidas até a remoção forçada de famílias inteiras. Além disso, algumas pessoas são pressionadas a abandonar seus territórios e enfrentam ameaças ao resistir à mineração. As consequências desses conflitos são, portanto, múltiplas e impactam não apenas a vida cotidiana das comunidades, mas também sua estabilidade social e econômica. Os danos vão desde o sofrimento humano até a desestruturação do tecido social das comunidades afetadas”.

Segundo o docente, identificam-se alguns fatores centrais que exercem efeitos significativos sobre essas comunidades. “O primeiro fator aborda os conflitos territoriais, frequentemente manifestados em disputas pela posse de terras, resultando em expulsão de pessoas, invasões e inviabilização do uso da terra. O segundo fator refere-se aos impactos sobre os recursos hídricos, incluindo a captura excessiva e a contaminação das águas, bem como a poluição. Adicionalmente, observa-se um impacto expressivo sobre o trabalho, que varia desde acidentes e mortes de trabalhadores a condições precárias e até mesmo trabalho escravo. Diversas violações das condições de trabalho, como a precarização e o não pagamento de acordos, também são identificadas”. Além disso, dois fatores adicionais estão intrinsecamente ligados a esses três primeiros. Primeiramente, os efeitos na saúde, que podem variar em relação à terra, água e trabalho. E em segundo lugar, os efeitos jurídicos, muitas vezes acionados por atores envolvidos, adicionando uma dimensão legal aos conflitos.

O relatório mostra que em 2022 foram contabilizadas 792 localidades e 932 ocorrências de conflito, envolvendo ao menos 688.573 pessoas. Houve um aumento de 22,9% das localidades envolvidas em conflitos em comparação a 2021 (644 localidades) e 5,6% em comparação com 2020 (750 localidades). O Bioma com o maior número de registros foi a Mata Atlântica, com 45,9%, seguido da Amazônia (30,8%), Caatinga (11,8%) e Cerrado (10,0%). Os conflitos envolvendo disputas por “terra” e “água” foram os que mais se destacaram, com 590 e 284 ocorrências, respectivamente. Os minérios mais presentes nos conflitos em 2022 foram Minério de Ferro (40,1% das ocorrências) e Ouro (26,3% das ocorrências).

Dos 27 estados com registros, os que mais concentraram localidades em conflito foram Minas Gerais (37,5%), Pará (12,0%) e Amazonas (7,4%). Em número de pessoas atingidas por estado, Minas Gerais aparece com 51,8% do número total, seguido do Pará (13,9%) e Alagoas (10,1%). Com a alta ocorrência de conflitos em Minas, apurou-se que, dos 853 municípios de estado, foram mapeados confrontos em 95 (11,1%), sendo Brumadinho o que mais concentrou as disputas, totalizando 30 ocorrências, majoritariamente por conta do processo de reparação do desastre da barragem da Vale, ocorrido em 2019.

As empresas ligadas à atividade de mineração são pontos-chave para a compreensão dos conflitos e seus desdobramentos. Foram mapeadas 124 corporações envolvidas em confrontos em 481 localidades. Entre elas, a Vale S.A. é a empresa que mais concentra ocorrências de conflitos (115 ocorrências) e, adicionando sua subsidiária Samarco/Vale/BHP (60 ocorrências), a Vale S.A. chega a 36,4% das ocorrências em 2022.

As extrações ilegais de minérios, em particular os garimpos, provocaram 270 conflitos em 235 localidades de 22 estados, representando 29,1% das ocorrências de 2022. Os estados que se destacaram foram: Pará (20,2%), Amazonas (19,9%), Minas Gerais (12,9%), Mato Grosso (12,5%) e Roraima (7,4%). Segundo o coordenador, os indígenas foram o primeiro grupo social mais violado por essa atividade, representando 31,9% das ocorrências ligadas a extração ilegal de minérios.

A mineração e as populações tradicionais

O relatório tem o objetivo de mostrar para a sociedade que esses conflitos produzem também problemas sociais que devem ser debatidos publicamente. Os conflitos envolvendo populações tradicionais somaram 268, abrangendo ao menos 236.447 pessoas. Foram observadas situações com indígenas (155.983), quilombolas (49.268), ribeirinhos (15.879), pescadores (6.498), extrativistas (4.241), posseiros (3.091), geraizeiros (582) e camponeses de fundo de pasto (904). O relatório conta 141 ocorrências de conflitos com indígenas, sendo 55,0% deles com garimpeiros e 25,7% com mineradoras internacionais. Os quilombolas sofreram em 40 ocorrências.

O tipo de conflito predominante envolvendo quilombolas em 2022 foi “terra”, seguido de “água”, com 80% e 50%, respectivamente. Os tipos de violências preponderantes foram: “poluição da água”, “omissão”, “ausência de consulta prévia”, “danos” e “violações nas condições de existência”. Quanto aos indígenas os principais tipos de violência sofridas foram: invasão (68 ocorrências), danos (49 ocorrências), extração ilegal (47 ocorrências), poluição da água (29 ocorrências) e ameaça de danos (23 ocorrências). Além disso, cinco mortes e quatro violências físicas. Quatro mortes foram contabilizadas na Terra Indígena Yanomami, onde uma delas envolveu uma adolescente de 12 anos que morreu após ser estuprada por garimpeiros.

Luiz aponta que, historicamente, a política mineral brasileira esteve predominantemente sob controle das corporações, em detrimento das comunidades afetadas e dos setores críticos que buscam um modelo mineral alternativo. Frente a esse cenário, entender e monitorar a mineração no Brasil não apenas fornece um diagnóstico claro do setor mineral e seus efeitos, mas também destaca a escassa análise desse contexto no cenário brasileiro, sendo os números encontrados subestimados para a realidade das violações causadas. “Precisamos compreender que esses conflitos são recorrentes e que existem grandes empresas responsáveis pelas diferentes violações que ocorrem a partir da atividade de mineração dentro território nacional. As populações urbanas, que vivem distante das áreas de mineração, precisam participar desse debate, para, assim, caminharmos efetivamente em direção ao enfrentamento dessa realidade”, conclui.

Acesse o Relatório de Conflitos da Mineração no Brasil (2022)

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Luiz Jardim de Moraes Wanderley é professor do Departamento e Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense - UFF. Geógrafo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2006/2007), Mestrado (2008) e Doutorado em Geografia na mesma instituição (2015), com estágio de bolsa sanduíche na Vrije Universiteit Amsterdam - VU (2012/2013). Atualmente é coordenador do Grupo de Pesquisa e Extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade - PoEMAS e do Laboratório de Movimentos Sociais e Territorialidade - LEMTO da UFF, ainda colabora no Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração.

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