Estudo explora o uso de óleo essencial de planta nativa para combater o mosquito transmissor da dengue

Crédito da fotografia: 
Flora digital (UFSC)
Pesquisadores da Faculdade de Farmácia da UFF desenvolvem um composto biodegradável para controlar o Aedes aegypti, vetor de doenças como dengue, zika e chikungunya

Conforme dados do Boletim Epidemiológico 13, divulgado pela Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde em outubro deste ano, foram registrados 1.530.940 casos prováveis de dengue no país entre janeiro e setembro de 2023. O valor representa um aumento de 16,5% em comparação ao ano anterior e, de acordo com o documento, a maior parte dos óbitos ocorreu entre pessoas com mais de 80 anos e do sexo feminino. A divulgação traz ainda um alerta para a Região Sudeste, que concentrou o maior número de casos graves ou com sinais de alarme para a doença.


Distribuição dos óbitos por dengue segundo o sexo e a faixa etária / Créditos: Boletim Epidemiológico 13, volume 54, da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde

Nessa linha de pesquisa, os professores da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal Fluminense (UFF) Francisco Paiva Machado e Leandro Machado Rocha, em colaboração com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade Federal de Viçosa (UFV) e a Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), desenvolveram o estudo “Nanoemulsion of Ocotea indecora (Shott) Mez essential oil: Larvicidal effects against Aedes aegypti”, publicado na revista Industrial Crops & Products.

A investigação nasceu durante o doutorado de Machado e tem como objetivo propor um novo produto para combater o desenvolvimento do Aedes aegypti, transmissor da dengue, doença que o professor substituto classifica como negligenciada por ser “encoberta” por outras enfermidades com maior destaque, a exemplo da covid-19, foco principal de ações dos órgãos públicos de saúde desde o início da pandemia em 2020. “Temos uma incidência factível dessa doença no Brasil que ocorre há anos. Desde meados de 2000, temos uma campanha de controle do inseto, então essa é uma pauta atual. Por mais que esteja mesclada à nossa realidade uma aceitabilidade ao mosquito, precisamos pensar mais a respeito dele”, comenta o docente.

Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a dengue é o arbovírus — vírus transmitido pela picada de artrópodes hematófagos — com maior número de casos na região das Américas, com epidemias ocorrendo a cada três a cinco anos. A transmissão se dá pela picada da fêmea do mosquito da espécie Aedes aegypti contaminada com o vírus que possui quatro sorotipos diferentes. Todos podem levar às diferentes formas da doença, inclusive a dengue hemorrágica, forma mais agressiva e mais comum quando a pessoa é contaminada pela segunda vez. O mesmo inseto pode ainda transmitir os vírus da chikungunya, associada a dor crônica no corpo, e da zika, que pode causar microcefalia em recém-nascidos. Por essa razão, os pesquisadores ressaltam a importância de eliminar os criadouros do vetor e combater a sua proliferação.

Uma das estratégias da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) para controlar os insetos transmissores do vírus é a visita de agentes às residências, que utilizam uma diversidade de inseticidas, sendo os mais comuns os organofosforados — grupo de compostos químicos amplamente usados na agropecuária que pode levar à intoxicação acidental de animais e humanos. A questão, Machado analisa, é que passou a ser observada uma resistência dos mosquitos a essas substâncias: “Hoje, é possível encontrar cepas resistentes a esses inseticidas em todo lugar, não só no Aedes aegypti, mas em outros mosquitos também, então começamos a ver uma ineficiência no combate ao inseto”.


Aedes aegypti, mosquito transmissor do vírus da dengue, da zika e da chikungunya / Créditos: Genilton Vieira (IOC/Fiocruz)

Conscientes do problema social e de saúde associado à proliferação desse vetor, a proposta dos professores foi desenvolver um novo produto, derivado de uma planta endêmica, ou seja, presente apenas do Brasil, como nanobioinseticida para realizar o controle do mosquito. A canela-sassafrás (Ocotea indecora), planta utilizada, pode ser encontrada nos estados da Bahia, do Espírito Santo, de Minas Gerais, do Rio de Janeiro, de São Paulo, do Paraná, do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, em áreas de Mata Atlântica e Pampa. Machado destaca que é uma planta com “ocorrência pequena”, mas, por ser nativa do país, ressalta a potência da biodiversidade brasileira. “Temos que pensar que há plantas medicinais capazes de produzir moléculas por via de metabolismo orgânico que podemos utilizar. A nossa proposta foi fazer uso do óleo essencial de uma planta para desenvolver uma composição inseticida para o controle das larvas do Aedes aegypti”, explica.


Estados em que é possível encontrar a Ocotea indecora, conhecida como “canela-sassafrás” / Créditos: Flora e Funga do Brasil

Leandro e Francisco integram o Laboratório de Tecnologia de Produtos Naturais da UFF, grupo que pesquisa plantas da região de restinga, zona próxima à praia, da Mata Atlântica. Nesse grupo, os docentes desenvolvem estudos sobre a utilização do óleo essencial de determinadas espécies como inseticida eficaz para o combate de insetos vetores de doenças. A canela-sassafrás, em especial, é coletada no Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba. “Nós obtemos a planta, elaboramos um estudo de identificação botânica com auxílio do Dr. Marcelo Guerra Santos da UERJ, avaliamos biologicamente com o Laboratório de Biologia de Insetos (Labi) da UFF e quimicamente na Faculdade de Farmácia, por fim, realizamos a formulação para o bioinseticida”, esclarece Machado. O destaque para o inseticida natural desenvolvido pelos pesquisadores é para a sua estrutura, composto de partículas na escala nanométrica, o que permite a dispersão em meio aquoso. “O óleo, como sabemos, não se mistura com a água, mas se reduzirmos o tamanho do composto conseguimos dispersar em matriz aquosa, que é onde se desenvolve o mosquito”.

É relevante que o bioinseticida consiga se dissolver em água por causa do período de desenvolvimento do Aedes aegypti. Como explica o professor Leandro Machado Rocha, primeiro o inseto passa por quatro fases larvais antes de se tornar uma pulpa, e todas essas etapas acontecem em meio aquoso. Somente na última fase o inseto adquire asas e consegue voar, mas, justamente nessa etapa, é comum utilizar inseticidas aerossóis para controlar o mosquito, exatamente no estágio em que ele tem mais chances de escapar e sobreviver. O produto é desenvolvido com moléculas nanométricas para poder se dissolver em água e prejudicar a fase larval do inseto.

“A diferença entre o nosso produto e o disponível no mercado é que ele valoriza a biodiversidade brasileira, mais especificamente a Mata Atlântica, um dos biomas mais devastados do Brasil, e por ser um derivado de origem natural, tendo uma taxa de degradação interessante”, destaca Machado. A substância não possui persistência no meio ambiente, um dos principais problemas associados aos organofosforados, como o DDT. Além de ser biodegradável, o composto também possui alta volatilidade, evaporando mais rapidamente do ambiente e, o que não evapora, eventualmente é degradado graças a sua composição natural, diferente de outros compostos que levam longos intervalos de tempo para se decompor. Machado utiliza como exemplo os próprios organofosforados: “Eles têm uma persistência tão grande no ambiente que já encontraram DDT na Antártica”, como mostra uma pesquisa divulgada em 2016 que comprova a presença dessa substância em tecidos de aves da espécie petréis-gigantes do sul em diversas colônias da Península Antártica.

Outro diferencial do bioinseticida pensado pelos docentes é o efeito em organismos não-alvos. “Além de testarmos no Aedes aegypti, testamos também em organismos não-alvo, como as abelhas Apis mellifera, e vimos que não houve mortalidade entre elas na mesma concentração de letalidade das larvas do mosquito, então podemos sugerir que o composto apresenta uma capacidade seletiva”, afirma Machado. Ao contrário dos inseticidas organofosforados, que acabam afetando outras espécies além daquela que se deseja ser combatida, o artigo traz que o composto pesquisado pelos professores da Faculdade de Farmácia afeta apenas as larvas do Aedes aegypti entre as espécies testadas.

A OMS estabelece que um bom bioinseticida para Aedes aegypti precisa apresentar resultado de mortalidade média em uma concentração pequena, abaixo de 100 microgramas por mililitros (microgramas/mL). Na pesquisa, foi observado que, em curto prazo, a composição feita com óleo essencial da canela-sassafrás levou a uma mortalidade média em uma concentração de 61 microgramas/mL, dentro do que a instituição considera como um produto eficaz. Além disso, após uma semana, essa mortalidade média ocorreu com uma concentração ainda menor, de apenas 27 microgramas/mL. Até o momento, toda a análise foi realizada em laboratório, mas os professores possuem a intenção de realizar a testagem em campo com o composto no futuro.

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Francisco Paiva Machado é farmacêutico generalista formado pela Faculdade de Farmácia da Universidade Federal Fluminense (UFF). Possui especialização em Produtos Naturais de Plantas e Derivados pela Faculdade Unyleya e é doutor em Ciências Biológicas com Ênfase em Biotecnologia Vegetal e Bioprocessos, pelo programa de Pós-graduação em Biotecnologia Vegetal e Bioprocessos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente, é sócio da Sociedade Brasileira de Farmacognosia, pós-doutor do Programa de Pós-graduação em Ciências Aplicadas a Produtos para Saúde (PPG-CAPS/UFF) e professor assistente I no Departamento de Farmácia e Administração Farmacêutica (MAF), lecionando as disciplinas de Farmacognosia e Farmacobotânica para o curso de graduação em Farmácia da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Leandro Machado Rocha possui graduação em Farmácia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestrado em Química de Produtos Naturais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutorado em Farmácia pela Université de Lausanne, na Suíça. É coordenador do Laboratório de Tecnologia de Produtos Naturais, do Departamento de Tecnologia Farmacêutica da Faculdade de Farmácia da UFF, e professor titular da universidade. Atua na Farmacopeia Brasileira, onde é do Comitê Gestor e Coordenador do Comitê Temático de Homeopatia da Farmacopeia Brasileira que elabora as edições da Farmacopeia Brasileira. Desenvolve projetos com as espécies vegetais do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, no Rio de Janeiro, desde 1998.

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