Na semana de conscientização do autismo, projetos da UFF reforçam a importância social dessa discussão

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No dia 2 de abril, é celebrado mundialmente o Dia da Conscientização do Autismo. A data foi criada pela Organização das Nações Unidas (ONU), no ano de 2007, com o objetivo de levar informação à população sobre o tema, reduzindo a discriminação e o preconceito em relação a quem apresenta o chamado transtorno do espectro autista (TEA), que pertence ao grupo dos transtornos do neurodesenvolvimento. A criação dessa data, nas últimas décadas, não é casual, apontando para uma atenção crescente em torno do tema. Centros internacionais de pesquisa informam que, no século atual, houve um incremento nas taxas de TEA em todo o mundo, chegando a ocorrer um caso em cada 54 indivíduos. No Brasil, estima-se que haja mais de três milhões de pessoas que possuam quadros compatíveis com os critérios para autismo/TEA.

O transtorno do espectro autista é caracterizado por um início precoce, uma alteração na comunicação/interação com as outras pessoas e por padrões limitados e repetitivos de comportamento e interesses/atividades. As crianças com autismo apresentam singularidades que as distinguem das outras, tanto na formação das funções psicológicas como na constituição da personalidade. De acordo com o psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense,  Jairo Werner, que realiza pesquisas sobre o autismo, o maior problema é a desinformação da população em geral e até de profissionais de saúde e educação sobre o TEA. Para ele, “um dos motivos do aumento de casos se deve ao maior conhecimento sobre o autismo e ao fato de os critérios diagnósticos terem ficado mais abrangentes, incluindo, além do transtorno autista, o transtorno de Asperger e o transtorno global do desenvolvimento não especificado”, explica.

Desde 1979, o professor, juntamente com o docente da Faculdade de Medicina Stephan Oliveira, implementam projetos na UFF com o intuito de ampliar os espaços de desenvolvimento e expressão para crianças com TEA e outros transtornos. Segundo ele, “tudo começou no Hospital Universitário Antonio Pedro (HUAP), com o projeto ‘psiquiatria infantil sem paredes’. Na década de 90, entretanto, apesar do sucesso da iniciativa, foi necessário buscar outro local para a sua execução e, então, fomos para o Grupo Transdisciplinar de Estudos e Tratamento do Alcoolismo e outras dependências (GEAL), no campus do Mequinho, apoiados pela Pró-reitora de Extensão (PROEX)”.

O dia da conscientização do autismo é muito importante, pois não há possibilidade de desenvolvimento desse indivíduo sem uma mudança atitudinal da sociedade. Nesse sentido, colocar o tema em pauta é um dos caminhos para que as pessoas iniciem seu processo de entendimento sobre o tema. Na universidade, transmitir esse conhecimento de qualidade é um dever, assim como formar recursos humanos de múltiplas áreas, que tenham condições de atuar com indivíduos neurodiversos”, Diana Negrão, coordenadora do NEPA e do Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusão.

Atualmente, nesse espaço do GEAL, segundo Jairo, também funciona o Setor de Psiquiatria Infantil, Juventude e Família, coordenado pelos dois pesquisadores. Trata-se de um programa complementar de saúde mental, do qual participam estudantes de diferentes cursos, em que as crianças e os adolescentes matriculados realizam várias oficinas (música, movimento, arte, culinária/ pizzaria, horta comunitária, etc) e outras atividades educativas e terapêuticas, que incluem as famílias dos integrantes.

“É motivo, inclusive, de muita alegria, o fato de alguns dos nossos participantes com TEA terem conseguido, recentemente, ingressar na universidade, em cursos da própria UFF, demonstrando a relevância da compensação social, que deve ir muito além do diagnóstico e da medicalização. Nessa direção, também estamos montando um núcleo comunitário no bairro do Sacramento, em São Gonçalo e, mesmo com poucos recursos, a luta continua. Contamos com a cooperação técnica de profissionais do Instituto de Pesquisas Heloisa Marinho, uma organização sem fins lucrativos que desenvolve pesquisas, projetos e programas nas áreas de saúde, educação e ciências sociais. E também com a colaboração de estagiários bolsistas da PROEX e a participação de estudantes de Medicina, Pedagogia, Educação Física, entre outros, que vão monitorar o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças matriculadas, além de dar aulas e ajudar a criar uma horta comunitária, trabalhando o meio ambiente e a sustentabilidade”, destaca.

Adaca: projeto oferece ferramentas digitais para crianças autistas no campus de Volta Redonda

Outro projeto que vem ganhando cada vez mais destaque, dentro e fora da Universidade, é o grupo de pesquisa e extensão Ambiente Digital de Aprendizagem para Criança Autista, mais conhecido como Adaca. O trabalho foi desenvolvido com o objetivo de auxiliar na aprendizagem de crianças autistas, a partir da união de esforços entre o Instituto de Ciências Exatas (Icex) e o Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) da UFF, campus Volta Redonda.

A equipe é composta por docentes da Instituição e um quadro amplo de alunos de diferentes cursos, como Psicologia, Física Computacional, Matemática Computacional, Engenharia e Ciências da Computação. Juntos, estudantes e professores desenvolvem ferramentas digitais que podem colaborar para o aperfeiçoamento da comunicação da criança com o transtorno do espectro autista, assim como jogos educativos no Laboratório do Ambiente Digital de Aprendizagem para Crianças Autistas (Ladaca). O local é dividido em três ambientes: o Lúdico, o Computacional e o Gerenciamento e o intuito do trabalho é favorecer a socialização e a melhoria da qualidade de vida das crianças.

O Ladaca, onde são atendidas crianças entre dois e 13 anos com TEA, tem como propósito tornar-se um espaço de referência, seja no desenvolvimento de tecnologia assistiva, favorecendo a melhoria da interação e comunicação, seja no trabalho de acolhimento da pessoa com TEA e sua família, para desenvolver, a partir de um enfoque interdisciplinar, estratégias que favoreçam a qualidade de vida.

A visibilidade para crianças, adolescentes e adultos que sofrem grandes limitações do nosso ambiente social é parte da luta para garantir acesso com qualidade aos direitos à saúde, à educação e ao pleno desenvolvimento de pessoas com TEA e outras deficiências. O preconceito, a exclusão e o isolamento social são mais deletérios que a deficiência em si”, Jairo Werner, professor da Faculdade de Medicina.

Para a coordenadora do projeto, a professora do Departamento de Física Vera Caminha, o núcleo familiar é muito importante na evolução da criança e no fortalecimento de vínculos afetivos. “A família tem um papel crucial que se inicia com o consentimento para que os pequenos possam participar do projeto. Além disso, desenvolvemos um trabalho em grupo com os responsáveis, a fim de percebermos o impacto do diagnóstico na vida familiar e o desenvolvimento de estratégias para o favorecimento de suas relações”, enfatiza.

Vera avalia que, durante a pandemia, o projeto seguiu ativo, alcançando, inclusive, conquistas significativas. Foram desenvolvidos, por exemplo, inúmeros jogos e aplicativos de celular, e também foi criada uma nova linha de pesquisa, na qual técnicas de inteligência artificial são estudadas e aplicadas aos dados obtidos no projeto para análise de aprendizagem, previsão de desempenho e classificação de novos jogos. Além disso, a professora informa: “durante o ano de 2021 até o momento, uma equipe de mais de 30 alunos do curso de Psicologia está sendo capacitada e treinada por mim e pela professora Priscila Pires para dar início aos atendimentos presenciais no laboratório nesse ano de 2022”.

 

Por dentro do NEPA, o núcleo da UFF dedicado a estudar e investigar o autismo

Outra iniciativa de peso na Universidade em torno do tema é o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Autismo (NEPA), coordenado pelas professoras Diana Negrão, que também está à frente do Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusão (CMPDI) da UFF e Viviane Lione, docente da UFRJ. O núcleo, idealizado por mães de autistas, foi criado em 2019 a partir de uma proposta aprovada no Edital da FAPERJ de Apoio a Grupos Emergentes. De acordo com Diana, “a proposta foi motivada pela experiência que temos com nossos filhos, que faz com que os ensinamentos que já possuímos sobre o autismo demorem a chegar na área clínica e na escola. Como também atuamos no Mestrado profissional em Diversidade e Inclusão, aplicamos os conceitos na formação de professores e profissionais. Atualmente, temos quase 60 pessoas cadastradas no grupo de pesquisa, entre alunos de pós-graduação, professores da educação básica e pais que querem se aprofundar nos estudos”, comemora.

Diana explica que o núcleo possui como proposta trabalhar de forma transdisciplinar sobre o autismo, abrangendo desde trabalhos de laboratório, nos quais se usam modelos celulares e animais para entender alguns pontos-chave no metabolismo do indivíduo autista, até a aplicação do entendimento mais moderno do autismo nos processos terapêuticos e pedagógicos. Para isso, são realizadas reuniões regulares de discussão de artigos científicos sobre o autismo, além de pesquisas de laboratório. “Eu trabalho com produtos naturais marinhos que podem ser usados como modelos de desenvolvimento de fármacos para autismo; a professora Viviane pesquisa sistemas celulares, outros docentes investigam modelos de autismo em animais, entre outras coisas”, enfatiza.

A ampliação crescente dos espaços dedicados ao tema constitui hoje, segundo a coordenadora, uma necessidade cada vez mais urgente: “o dia da conscientização do autismo é muito importante, pois não há possibilidade de desenvolvimento desse indivíduo sem uma mudança atitudinal da sociedade. Nesse sentido, colocar o tema em pauta é um dos caminhos para que as pessoas iniciem seu processo de entendimento sobre o tema. Na universidade, transmitir esse conhecimento de qualidade é um dever, assim como formar recursos humanos de múltiplas áreas, que tenham condições de atuar com indivíduos neurodiversos”.

Jairo Werner reforça as palavras de Diana, afirmando que “a visibilidade para crianças, adolescentes e adultos que sofrem grandes limitações do nosso ambiente social é parte da luta para garantir acesso com qualidade aos direitos à saúde, à educação e ao pleno desenvolvimento de pessoas com TEA e outras deficiências. O preconceito, a exclusão e o isolamento social são mais deletérios que a deficiência em si”.

Quem se interessar pelo tema, pode seguir com a discussão participando do colóquio, sob a coordenação do professor Stephan Oliveira e de um grupo de docentes da UFF, “Autismo na universidade: múltiplas perspectivas e ações”, que será realizado no dia 28/04, das 9:30 às 19 horas, com convidados da UFF e de outras universidades. As inscrições são gratuitas e vão ser realizadas pela PROEX. Além disso, também é possível acompanhar os estudos desenvolvidos pelo NEPA e os eventos que a equipe promove no perfil do Instagram do núcleo: @nepa_uff

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