O que fazer com o aumento do lixo doméstico na pandemia? Professor da UFF fala sobre o tema em entrevista

Já parou para pensar na quantidade de lixo que você tem produzido nesses últimos meses, de isolamento social e trabalho remoto? Sabe-se que, em média, uma pessoa produz um quilo de lixo por dia. O número fica ainda mais preocupante quando pensamos que em 75 anos de vida um único indivíduo pode gerar cerca de 27 toneladas de resíduos.

Essa taxa, já exorbitante, tem alcançado patamares ainda maiores devido à pandemia do novo coronavírus, segundo dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais. Repensar as nossas práticas junto ao meio ambiente e ligar o nosso alerta quanto ao descarte correto do lixo, ainda mais no contexto da Covid-19, se faz urgente. Para abordar essa temática, em voga no mês em que se comemora o Dia Mundial do Meio Ambiente, convidamos o especialista Julio Cesar Wasserman, Professor Titular e Coordenador da Rede UFF de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.

1) Quais dicas para reduzir a produção de lixo doméstico nesse período?

Atualmente o elemento mais preocupante do lixo doméstico são os plásticos. Materiais produzidos a partir de hidrocarbonetos de petróleo, acreditava-se há alguns anos que eles tinham um tempo de residência no meio ambiente (quer dizer, se degrada em 20 a 50 anos). Contudo, pesquisas recentes mostram que os plásticos não se degradam nunca! Eles se quebram e ficam cada vez menores, microplásticos e nanoplásticos. Cada vez mais, descobrimos que estes produtos da degradação dos plásticos têm efeitos deletérios na biota e até no homem (pois eles estão presentes nos alimentos aquáticos também).

Assim, a primeira dica é diminuir a quantidade de embalagens geradas. Neste período de pandemia, as embalagens sempre são problemáticas, pois quando a gente compra um produto, é raro sabermos como chegará embalado. Nas fotos onde escolhemos os produtos, às vezes, conseguimos identificar as melhores e mais simples embalagens. Considere isto na hora da compra. Já é uma excelente ação! Outro problema são as sacolas plásticas, proibidas em muitos países e, infelizmente, ainda usadas no Brasil. Devem ser substituídas por sacolas reutilizáveis, sempre que vamos ao supermercado. Na farmácia, ou em qualquer compra, peça para não utilizar embalagens. Uma caixa de remédio, um frasco pequeno de álcool, pode ser levado no bolso. No delivery, você pode pedir ao entregador para retirar o produto da sacola, para que reutilize a sacola plástica em outras entregas. Se possível, no momento do pedido, peça por embalagens reutilizáveis. Não é muito difícil encontrar soluções para reduzir a quantidade de plásticos.

Evite também a compra de produtos de muito baixa qualidade, que quebram rápido e geram resíduos. Neste caso, se não pode comprar um produto de melhor qualidade, é melhor não comprar. Pense bem, a maior parte dos eletrônicos são bastante supérfluos e depois que compramos, o equipamento fica jogado, até virar resíduo. Quanto aos orgânicos, procure se organizar para produzir a menor quantidade possível. Fazer quantidades de comida adequadas para que não deteriorem antes de serem consumidas. Para isto, um planejamento, utilizando menus é muito interessante.No período de pandemia, quando estamos em casa em tempo integral, iniciar estes hábitos é ideal.

2) Como descartar corretamente o lixo produzido em casa?

Seguindo o princípio dos 3Rs, reduzir, reusar e reciclar, sempre prefira reduzir a reusar e reusar a reciclar. Procure produtos que tenham embalagens simples, de preferência de papel, alumínio, ou que contenham pouco plástico. É terrível ver que algumas empresas ainda colocam três ou quatro embalagens, uma dentro da outra e que ainda não exista uma Lei que proíba tal procedimento. A outra possibilidade, dentro dos 3Rs é o reuso, como de uma garrafa pet de água que pode ser feito utilizando-a para guardar outros produtos, soluções de detergente, amaciantes. Lembre-se que nunca deve-se reusar garrafas plásticas de substâncias químicas que possam ser tóxicas, nem mesmo para guardar outras substâncias tóxicas. As misturas podem gerar vapores que eventualmente podem causar doenças, ou mesmo serem letais.

Finalmente, a reciclagem só deve ser utilizada como recurso para aqueles plásticos cujo descarte é inevitável. Neste caso, há várias opções: A maior parte dos condomínios residenciais separam os recicláveis, que são entregues ao próprio caminhão de lixo que às vezes descarta separadamente no aterro sanitário. Os catadores que trabalham em aterros fazem a separação. Assim, se você não tiver nenhum programa de reciclagem, já é uma ação importante separar os recicláveis (plásticos, vidros, papel e cartão, alumínio e outros metais) em sacos separados. O catador não precisará vasculhar os sacos com orgânicos misturados. O descarte de grandes objetos de madeira, metálicos, plástico deve ser feito em ecopontos. Há veículos que passam pelas cidades coletando geladeiras, sofás, eletrônicos e outros objetos de grandes dimensões. Procure se informar aí na sua região.

Eletrônicos também não devem ser descartados junto com orgânicos, pois também podem ser reciclados. A quantidade de ouro, prata e outros metais preciosos que existem em uma lâmpada de led é relativamente grande e atualmente aventa-se a viabilidade econômica de recuperação destes metais Finalmente, um ponto importante quanto aos resíduos domésticos, a questão do óleo de cozinha também é relevante. Se você frita um bife, não tem muito sentido reciclar alguns mililitros de óleo, mas se você frita batatas mergulhadas no óleo, aí este óleo pode ser reciclado. Mantenha sempre uma garrafa pet para a guardar e o descarte em ecopontos.

3) Em casas que tenham pessoas com Covid-19 ou com suspeita da doença, quais as orientações para o descarte correto dos resíduos?

No início da pandemia, tínhamos uma grande preocupação com a contaminação por via de superfícies. Por isto, a desinfecção dos produtos adquiridos em supermercados com álcool foi muito difundida. Atualmente, os cientistas admitem que a principal via de contaminação é aérea (pela respiração). Por isto, o melhor meio de se evitar a contaminação é o uso de máscara e de preferência máscaras eficientes (N95, ou similar). 

Os esforços para evitar a disseminação do vírus não passam pelo tratamento especial do lixo. É evidente que trabalhadores do ciclo de destinação de resíduos domésticos, incluindo os catadores, devem estar bem protegidos com luvas, máscaras, botas e roupas, mas não especificamente por causa da COVID-19. Há muitos outros elementos de contaminação no lixo, que talvez sejam muito mais significativos do que este vírus. 

4) O que fazer quando não existir a coleta seletiva na cidade em que o servidor mora?

A melhor ação para diminuirmos a quantidade de resíduos sólidos domésticos urbanos (lixo) é a redução e o reuso na própria residência. Como eu disse, a presença de ecopontos e a destinação de resíduos nestes locais reduz muito os custos da gestão dos resíduos sólidos domésticos urbanos (lixo), mas a separação dos diferentes tipos de lixo em sacos distintos já ajuda muito os catadores e melhora muito todo o processo.

O maior impacto ambiental do lixo é o seu descarte inadequado. Eu diria absurdamente inadequado! Em 2021 é inacreditável, que se veja pessoas lançando garrafas pet, embalagens de bala, mesmo latinhas de alumínio de seus veículos diretamente na via pública. Na rua, jogue o lixo na cesta, no carro, mantenha um saquinho para lixo e descarte na lixeira. Quando fumar, não descarte a cinza no chão e a guimba deve ir para a lixeira (sempre apagada). Precisamos acabar com o pensamento de que é só uma “cinzinha” de cigarro, é só uma “guimbazinha”, é só uma garrafinha pet... É o lixo da rua que vai para o mar e é esse lixo que faz as grandes ilhas de plástico do pacífico, é esse lixo que sufoca os peixes, as tartarugas, as aves e os mamíferos marinhos. O lixo, de qualquer forma que for, deve ir para o aterro sanitário e não podem hipótese alguma ficar na via pública, pois é este lixo que termina no mar! Por favor, educação!

5) Qual o impacto do lixo orgânico para o meio ambiente e como fazer uma composteira doméstica?

O descarte inadequado do lixo orgânico é nefasto. Embora o lixo orgânico seja biodegradável, seus produtos de degradação provocam desequilíbrios ambientais muito severos, incluindo a produção de microalgas que podem ser tóxicas e provocar mortandades de peixes em ambientes aquáticos. Sem falar na emissão de gases de efeito estufa como o metano, o dióxido de carbono e os óxidos nitrosos. Quando descartado corretamente em aterros controlados, o processo de degradação, fermentação do lixo orgânico provoca a geração de substâncias como o chorume, um líquido altamente contaminado que, no aterro, pode ser tratado. Gera também gases de efeito estufa, como o metano que pode ser queimado para a produção de energia.

Em um aterro bem controlado, é possível reduzir muito o impacto do lixo orgânico e fazer com que seus efeitos ambientais sejam ínfimos. Após o fechamento de um aterro sanitário, a recuperação da área tem um custo elevado, mas é tecnicamente viável.  A fim de se diminuir o custo da gestão, a redução de resíduos na fonte (em casa) é uma ideia interessante. Algumas dicas já foram mencionadas neste texto, mas a criação de composteiras também pode ser uma boa solução para transformar os resíduos orgânicos em adubo e outros produtos.

Há dois tipos de composteiras, as aeróbicas que demandam espaço, um jardim, onde se possa separar uma área para se colocar (exclusivamente) os dejetos orgânicos: restos de comida, cascas de batata, de banana de laranja, sementes de frutos. Há vários esquemas de criação de composteiras, o ideal é se ter várias separações, onde se tem idades diferentes de lixo, atingindo níveis de degradação orgânica diferentes. Importante dizer que elas não podem ser deixadas sem nenhum tratamento e precisam ser remexidas diariamente para manter um nível de umidade adequado à realização do processo de fermentação bacteriana. Não há composteira, sem odor, por isso devem ser executadas em ambientes abertos e amplos. Nunca transforme seu canteiro de plantas em composteira. Os produtos de degradação e fermentação do lixo matam as plantas.

O outro tipo de composteira é a anaeróbica, onde se tem a formação de metano que pode ser até utilizado para geração de energia. Na internet, há muitos esquemas de construção de biodigestores para lixo orgânico, muitos dos quais até podem ser adquiridos para serem instalados em apartamentos, sob a forma de latas de lixo metálicas (a um custo bastante elevado). De maneira simplificada, uma pequena cabana plástica pode ser construída (deve ser perfeitamente hermética), com uma saída para o gás metano. O processo de degradação anaeróbica vai gerar água e matéria orgânica composta que também pode ser utilizada em canteiros de plantas ou em hortas. Em todos os casos, o processo de compostagem, mesmo os mais sofisticados, exigem constante manutenção. Só faça uma composteira em casa se realmente estiver disposto a realizar esta manutenção diária. Uma boa atividade para preencher horas de permanência na residência neste período de pandemia.