UFF realiza estudo sobre condições de exploração da força de trabalho no Brasil

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De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), mais de 40 milhões de pessoas em todo o mundo foram vítimas da “escravidão moderna”.

Em maio, celebra-se o Dia do Trabalho, uma data em que se comemoram as conquistas e se reflete sobre os desafios na busca por direitos dos trabalhadores ao redor do mundo. No que diz respeito às condições laborais no Brasil, destaca-se que, mesmo nos tempos atuais, ainda existem sérios desvios éticos nas relações de trabalho desenvolvidas no país. Entre 2003 e 2020, um total de 45.481 trabalhadores foram resgatados de situações análogas à escravidão no Brasil, de acordo com dados divulgados pelo Ministério da Economia em janeiro de 2021.  A realidade é alarmante e demonstra a necessidade de ações efetivas para combater esse crime e garantir os direitos dos trabalhadores.

Uma nova pesquisa da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Fundação Walk Free, em parceria com a Organização Internacional para Migração (OIM), revela a escala da escravidão moderna em todo o mundo. Os dados, lançados durante a última Assembleia Geral das Nações Unidas, mostram que mais de 40 milhões de pessoas em todo o mundo foram vítimas dessa situação em 2016. Além disso, a OIT também lançou uma nova estimativa de que cerca de 152 milhões de crianças entre cinco e 17 anos foram submetidas ao trabalho infantil no mesmo ano.

Em meio a esse cenário, as pesquisas conduzidas pela professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense (UFF), Marcela Soares, ganham destaque. Nos últimos 20 anos, a pesquisadora tem se dedicado a estudar temas como precarização do trabalho, informalidade, desigualdade de gênero e raça no mercado de trabalho e políticas públicas de proteção social. Recentemente, ela passou a se debruçar sobre os impactos da pandemia na vida dos trabalhadores, especialmente aqueles em situação de vulnerabilidade. “Nos últimos tempos, a pauta tem adquirido bastante visibilidade devido aos últimos acontecimentos nas vinícolas da Serra Gaúcha e pela retomada dos esforços pela fiscalização do trabalho”.

A partir de estudos sobre essa temática, em 2021, Marcela Soares deu início à pesquisa “Novas e velhas formas de trabalho: plataformização e escravidão contemporânea”, com apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). O objetivo do estudo é analisar as condições de exploração da força de trabalho no Brasil e, por meio de dados secundários e relatórios de fiscalização, as circunstâncias muitas vezes insalubres e precárias em que essas pessoas precisam exercer suas profissões. Além dos dados secundários e relatórios de fiscalizações, foram realizadas entrevistas com 50 entregadores nas regiões centrais da cidade de Niterói e do Rio de Janeiro.

Nesse contexto, a pesquisadora destaca a conquista da Lei nº 10.803, que foi sancionada durante a primeira gestão do governo Lula (2003-2011), em dezembro de 2003. “A lei traz o aditivo com as tipificações da escravidão contemporânea, ou seja, ocorreu a caracterização do crime. Dentre as tipificações para caracterizar condição análoga de escravidão, está posta a servidão por dívida, as jornadas exaustivas, as condições degradantes e o trabalho forçado. Em dezembro deste ano, a Lei nº 10.803 completa vinte anos”.

Marcela acrescenta que não ocorreu diminuição do número de pessoas em situação de escravidão contemporânea no Brasil nos últimos anos, assim, ainda existem casos alarmantes. "Somente ano passado (2022), das 2.575 pessoas resgatadas 92% eram homens, 29% tinham entre 30 e 39 anos, 51% residiam no Nordeste, 58% eram nordestinas, 83% se autodeclararam como negras (pretas e pardas), 15% como brancas e 2% como indígenas. As atividades rurais lideraram o número de pessoas resgatadas com 87% do total, a exceção nestes 28 anos de inspeção do trabalho foi o ano de 2013, em que a construção civil foi majoritária", ressalta.

Quando se pretende compreender a persistência do trabalho escravo como fenômeno contemporâneo, a professora do Departamento de Direito Privado da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito, Carla Appollinario, relata que não apenas é necessário analisar a utilidade dessa forma de exploração nos dias atuais, como também o perfil das pessoas submetidas a essas condições. “Para tanto, os marcadores sociais da diferença e das desigualdades são importantes aportes para a compreensão do fenômeno em suas especificidades. No Brasil, esses recortes podem ser observados, por exemplo, nos dados e relatórios produzidos pela ONG Repórter Brasil”.

Carla explica que os marcadores sociais da diferença são ferramentas importantes para a crítica da construção social das desigualdades em geral e, em especial, no mercado de trabalho formal e informal. “Uma análise mais detida do perfil socioeconômico dos trabalhadores e das trabalhadoras exploradas sob a forma da escravidão contemporânea revela diversas nuances de características sociais que marcam esse trabalho, tais como divisão racial do trabalho, divisão sexual do trabalho - destacando o trabalho doméstico escravizado, que foi muito comum na pandemia decorrente da Covid-19, entre outras”.

Estudo aponta precarização do trabalho em plataformas digitais no Brasil

Outro tema central das pesquisas da professora Marcela Soares é a chamada "plataformização do trabalho", ou seja, a crescente utilização de plataformas digitais para contratar trabalhadores, sem garantias trabalhistas e com salários muitas vezes abaixo do mínimo. A pandemia de Covid-19 agravou essa situação, com o aumento do desemprego e da informalidade, e o uso cada vez mais frequente de plataformas como Uber, iFood e Rappi.

Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2018, aponta que cerca de 24% dos trabalhadores de plataformas digitais no Brasil desempenham atividades laborais por mais de 50 horas por semana, e 41% ganham menos que um salário mínimo por mês. Além disso, 69% desses trabalhadores não têm carteira assinada e, portanto, não possuem direitos trabalhistas básicos, como férias remuneradas e 13º salário. Esses dados evidenciam a precarização do trabalho em plataformas digitais e a necessidade de proteção social e trabalhista.

A professora Marcela destaca que as novas formas de trabalho oferecem uma falaciosa autonomia e flexibilidade, assim, é importante estar atento às possíveis formas de exploração e precarização do trabalho que podem surgir, tentando preveni-las e combatê-las, garantindo direitos trabalhistas para estas pessoas. “Por isso a importância em refletir sobre o processo sócio-histórico das condições laborais no Brasil, que são extremamente heterogêneas e marcadas por uma precariedade estrutural. No caso dos trabalhadores de plataformas digitais, a falta de proteção trabalhista e social é um problema comum, que muitas vezes impede o acesso a direitos básicos e facilita a submissão dessas pessoas a condições precárias de trabalho. Para prevenir e combater essas práticas, é necessário que os governos e empresas adotem políticas e práticas de gestão que garantam a proteção dos direitos dos trabalhadores”, conclui.

Acesse o livro "Escravidão e dependência: opressões e superexploração da força de trabalho brasileira" da professora Marcela Soares: https://lutasanticapital.com.br/products/pdf-escravidao-e-dependencia-opressoes-e-superexploracao-da-forca-de-trabalho-brasileira

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