Segurança Pública da UFF atende demanda da sociedade e repensa a violência

Recentemente, a pesquisadora do Departamento de Segurança Pública, Jaqueline Muniz, concedeu entrevista sobre a intervenção militar federal no Rio de Janeiro com repercussão imediata em todos os meios de comunicação. O posicionamento da especialista reforça a importância da formação profissional na área de segurança pública junto à opinião da sociedade no que diz respeito às questões de violência urbana, que vêm atingindo a população de todo o estado.

O conhecimento produzido na universidade deve estar a serviço da promoção do Estado Democrático de Direito e das garantias individuais e coletivas, bem como da promoção equitativa da justiça. “A UFF, ao ser a primeira universidade do país a oferecer um curso de Segurança Pública, assume o compromisso com o desenvolvimento e a aplicação do conhecimento numa área, até então, dominada por determinados segmentos corporativos incrustados no interior do Estado”, afirma Jaqueline. Para a professora, pensar segurança pública articulada à noção de controle e suas dinâmicas descontínuas na vida social, com vistas às garantias dos direitos civis, se faz urgente.

Essa demanda da sociedade, levou um grupo de professores da UFF a se unir e propor em 2016 a criação do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (InEAC). Passados dois anos de sua implantação, já são mais de 1000 tecnólogos e 78 graduados, números que confirmam o atual interesse pela área. Segundo o professor de Antropologia e coordenador do Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão de Administração Institucional de Conflitos (Nepeac), Roberto Kant de Lima, a segurança pública está intimamente ligada à defesa dos direitos sociais básicos da população, como educação pública em todos os níveis, saúde, alimentação, trabalho e moradia.

Desde que foi criada a rede de instituições e pesquisadores voltada para o estudo de processos de administração de conflitos - que deu origem ao curso - , quatro turmas foram formadas nos primeiros e segundos semestres de 2016 e 2017, “No entanto, não devemos confundir com a unidade de ensino da UFF, dirigida pelo professor Lênin Pires, e que também é resultado do trabalho desta rede, e que também reúne instituições internacionais”, ressalta.

O coordenador esclarece que há dois cursos distintos na UFF: um de Bacharelado em Segurança Pública e Social (presencial), oferecido nas dependências do Instituto de Estudos Comparados (IAC), em Administração de Conflitos. O outro, de Tecnologia em Segurança Pública e Social (à distância), em convênio com o Consórcio Cederj/Cecierj - um pool de universidades públicas para ensino à distância no Rio de Janeiro, atualmente ministrado em 12 polos da entidade no estado do RJ, alcançando diretamente mais de 60 mil alunos.

Ambos os cursos propõem uma ampla discussão sobre a segurança pública do ponto de vista da sociedade e não apenas do estado. “Quem se forma no primeiro é bacharel em segurança pública e social, após oito semestres de estudo. E quem se forma no segundo é tecnólogo em segurança pública e social, depois de cursar cinco semestres”, explicou Kant.

 

Formação profissional no combate ao crime

Para o diretor do InEAC, o antropólogo e docente do Departamento de Segurança Pública Lenin Pires, a UFF inovou ao criar o curso de bacharelado em Segurança Pública. “A iniciativa trouxe para a universidade a incumbência de formar profissionais civis que estejam aptos a pensar políticas alternativas às formas exclusivamente repressivas de atuação e tradicionalmente patrocinadas por agências estatais, discutindo a segurança pública do ponto de vista da sociedade e não apenas do estado”, acrescenta.

Nesse esforço institucional, explica Pires, a UFF apresentou a oportunidade de novos perfis para pensar formas de administrar conflitos apontando para métodos palpáveis. “O momento atual mostra a importância dessa transformação. Constata-se que após décadas de firmes investimentos na área, ainda há a carência de profissionais que se dediquem a trabalhar a segurança pública para além da fórmula de combate ao crime”, destaca.

Segundo o diretor, pensar segurança pública significa atender às demandas por modernidade nas instituições. Trabalhar com planejamento voltado para a promoção de uma sociedade mais igualitária, que destine recursos públicos para mediar os conflitos de interesse, promovendo a educação formal e formas de inclusão abrangentes, que identifique correspondência nas políticas de emprego e de mobilidade com os compromissos pela incorporação das mais variadas identidades sociais no tecido urbano. “É necessário que se pense na perspectiva da prevenção de delitos, desvios, elaborando iniciativas e medidas que dialoguem com políticas que apelem para a responsabilidade dos sujeitos pela sociedade em que vive, e não apenas para a dimensão da culpabilização. E que, uma vez observadas as ofensas à sociedade, sejam administradas penas com justiça pública, em lugar de castigos privados”, enfatizou.

Ainda para o especialista, os profissionais da Segurança Pública podem ser mobilizados pelo Estado nas três esferas - municipal, estadual ou federal -, para que atuem em suas instituições com informações mais abrangentes sobre segurança em todo o mundo. Eles também podem ser recrutados para atuar de acordo com interesses empresariais e corporativos que, igualmente, devem se comprometer com uma sociedade mais justa e igualitária. Afinal, cada vez mais o chamado mercado descobre o alcance da segurança pública, incluindo os veículos de comunicação, como jornais e telejornais. “Tal dimensão requer interesse para lidar com a acomodação dos interesses legítimos dos que vivem em nossa sociedade e não com suas repressões. Diferentemente do que é defendido por grupos sociais que reclamam para si privilégios, em lugar de tratamento republicano”, concluiu.


Mudança de paradigma na mídia

Os crescentes casos de violência registrados nas grandes cidades, principalmente na região metropolitana do Rio de Janeiro, despertam cada vez mais não só o interesse de alunos e docentes, como também da mídia. O Jornal O São Gonçalo, por exemplo, passou recentemente por uma mudança em seu formato. A tradicional editoria de Polícia ganhou status e se tornou mais abrangente, passando a ser chamada Segurança Pública. O fato abriu um novo campo de trabalho para a estudante Bruna Sotero, que cursa o sétimo período do bacharelado da UFF.

“Atualmente atuo junto à equipe de jornalismo, na função de comentarista em Segurança Pública, além de fazer o levantamento estatístico nessa área”, informou a estudante, que ingressou na universidade em 2015.

Em 2016, cursando o segundo período, Bruna atuou na função de monitora, auxiliando a docente Luciane Patrício. Essa primeira experiência a fez perceber que poderia explorar mais as oportunidades que o curso oferece. E assim começou, nesse mesmo ano, a organizar eventos acadêmicos junto ao diretório, ocasião em que estreitou as relações e estabeleceu um contato mais próximo com os docentes do departamento.

No ano seguinte, após o término da monitoria, Bruna e sua professora analisaram numa pesquisa os espaços de articulação entre o estado e a sociedade. Em paralelo, assumiu o cargo de diretora de Assuntos Acadêmicos no Diretório do curso de Segurança Pública, o que a levou a organizar a Semana Acadêmica, além de outros eventos que mobilizam os estudantes. Também em 2017, foi convidada a organizar um curso de capacitação na Defensoria Pública do Estado - "Garantias Legais em Territórios Instáveis". Assim, mais uma vez, a estudante teve a oportunidade de trabalhar diretamente com administração de conflitos, direitos e cidadania. Esses temas a acompanharam durante sua formação, ampliando seu conhecimento na área.

A vivência adquirida por Bruna a levou a uma nova experiência: trabalhar no jornal. Lá, ela acompanhou toda a mudança ocorrida em sua editoria. “O entendimento de toda a equipe era que não se podiam restringir os problemas da segurança pública como sendo apenas caso de polícia. A mudança fez parte de outro conjunto de ações ocorridas no periódico e estendido à área do audiovisual”, explica. Hoje, a estudante também atua num programa diário do canal online do veículo, com comentários mais aprofundados sobre os acontecimentos que envolvem a segurança pública das Regiões de São Gonçalo e Niterói. 

A seguir, o professor Kant explica outros detalhes dos cursos que vêm despertando o interesse de todos.

Quais são as áreas de atuação dos profissionais formados em Segurança Pública?

Os alunos do curso de tecnologia são profissionais de segurança pública, por imposição de regulamento específico do Ministério da Educação. A intenção é de aprofundar a reflexão sobre a atividade profissional, em especial no que se refere aos policiais militares, que são a maioria dos alunos do curso, para que possam assim exercer funções relevantes em suas instituições. Nesse sentido, os graduados de ambos os cursos estão habilitados para exercer funções como consultorias, gestão, planejamento, formulação de políticas e outras atividades afetas às secretarias federais, municipais e estaduais de segurança pública.

Qual é a contribuição que o curso de Segurança Pública pode dar à atividade policial nacional?

De certa forma, servidores da segurança pública, situados no Executivo, passam a conceber a segurança pública e a atuação policial como fundamentalmente repressora, o que os distancia das atividades policiais presentes em sociedades avançadas, em que essa atuação é pontual e cuja ênfase é, majoritariamente, em processos não jurídicos de administração de conflitos. No Brasil, a segurança pública (restrita a agentes policiais civis e militares, bombeiros, agentes penitenciários e guardas municipais) está separada, desde 1870, da justiça criminal (ministério público, magistratura), o que faz com que a mentalidade jurídico-repressiva saia da justiça criminal e se espalhe, através do direito repressivo, para o executivo.

Nem tudo é caso de polícia! A mentalidade do brasileiro está mudando com relação a isso?

Por tudo que disse acima, é claro que a segurança pública - inclusive nas palavras do general que acaba de assumir a secretaria de segurança do RJ - está muito além da polícia, embora a atividade policial de administração de conflitos seja parte relevante dela. No entanto, a prestação de serviços públicos de saúde, educação, redes urbanas de iluminação, saneamento, etc., são fundamentais para assegurar aos cidadãos condições de acesso aos bens públicos que tornam sua vida minimamente confortável, evitando conflitos provocados pela disputa desses recursos devido a sua distribuição desigual.

E como isso afeta a população?

Os efeitos nocivos da má distribuição de recursos são inúmeros e dizem respeito, principalmente, às vantagens da obediência e desobediência a regras de convivência que asseguram direitos àqueles que as cumprem. A distribuição desigual desses recursos, seja pelo estado, seja por particulares, enseja uma disputa por eles sem regras universais, que leva a uma descrença generalizada na efetividade do cumprimento às regras.

Qual é a importância da formação desses profissionais para a sociedade?

Kant: É a contribuição da UFF e dos INCTs para a população, transferindo conhecimento das pesquisas de ponta, bem como cumprindo com sua missão de atender às demandas sociais e ser uma universidade brasileira, pública, gratuita e de qualidade. Nesse contexto, cabe ressaltar três aspectos importantes. Em primeiro lugar, a instituição está formando profissionais na área com competências ali ainda inexistentes; em segundo lugar, a socialização na graduação, do ensino, da pesquisa e extensão, fortalece a formação desses profissionais que irão atuar junto à sociedade; e, finalmente, os cursos difundem além dos muros da universidade uma perspectiva democrática da segurança pública, vinculada aos princípios republicanos de que todos somos iguais perante a lei.

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