UFF desenvolve projeto para mapear as Comunidades Terapêuticas (CT) no Norte Fluminense do RJ

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A falta de transparência e fiscalização em relação às CTs, em especial as que obtêm financiamento público, é uma preocupação destacada na pesquisa

No Brasil, a luta antimanicomial surgiu a partir do movimento da reforma psiquiátrica, iniciado na década de 1970, em meio à ditadura militar, quando os profissionais de saúde começaram a questionar a política de internação compulsória em hospitais que violavam os direitos humanos e submetiam as pessoas a condições degradantes. Nesse contexto, as comunidades terapêuticas, instituições que oferecem tratamento para pessoas com transtornos mentais e dependência química, baseadas em um modelo de internação em regime fechado, se tornaram um importante objeto de pesquisa no campo da saúde mental.

De acordo com o Cadastro Nacional de Comunidades Terapêuticas que é mantido pelo Ministério da Cidadania, há mais de 60 Comunidades Terapêuticas no estado do Rio de Janeiro que fazem parte da rede complementar de cuidados, tratamento e reintegração social de pessoas dependentes de substâncias psicoativas, sendo o segundo estado do país com maior número de instituições cadastradas.

Observando essa realidade, as professoras Juliana Desiderio Lobo Prudêncio e Tathiana Meyre da Silva Gomes, do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Saúde e Atenção ao Uso de Drogas (NEPSAD/UFF Campos) e do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas de Saúde e Segurança (NUEPESS/UFF Niterói), desenvolveram o projeto “Política de Drogas e Comunidades Terapêuticas (CTs) na Região Norte Fluminense do Estado do Rio de Janeiro”. A pesquisa tem financiamento da FAPERJ e é desenvolvida em conjunto pelas professoras, com a participação de alunas do Curso de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense (UFF), da UERJ e da UFRJ, que compõem um grupo de pesquisadores que investigam as Comunidades Terapêuticas no estado do Rio de Janeiro.

O projeto visa mapear as CTs credenciadas e em funcionamento na região Norte Fluminense no estado, através da contagem da quantidade desses espaços. A ideia é discutir os desafios e possibilidades das CTs no contexto da luta antimanicomial, de modo a substituir o modelo de hospitais psiquiátricos por uma rede de cuidados mais humanizada e inclusiva. “Nosso objetivo inicial era compreender como o cuidado em saúde mental vem sendo realizado e qual a forma de financiamento dessas comunidades. Para isso, temos realizado estudos de caso e entrevistas com pessoas que passaram por CTs”, explica a professora Juliana Desidério.

A pesquisa busca também mapear e compreender as formas de financiamento das CTs através do monitoramento dos editais de habilitação para oferecimento de vagas financiadas para internação no âmbito federal, estadual e municipal. Segundo Juliana, essas instituições terapêuticas têm se concentrado nos grandes centros urbanos devido ao financiamento público e privado. “Porém, o acesso aos CTs é difícil, pois há pouca transparência sobre o tipo de financiamento, serviços oferecidos e usuários atendidos. Além disso, há uma falta de fiscalização por parte das autoridades competentes, o que pode levar a violações dos direitos humanos dos usuários”, explica.

Nesse contexto, a pesquisa aponta que as CTs estão configuradas em um formato que vai contra a lógica antimanicomial, na qual muitas vezes as internações são realizadas sem o devido cuidado e acolhimento aos pacientes. “A presença das Comunidades Terapêuticas no campo reforça a abstinência e a proibição e, muitas vezes, a religiosidade e a laboterapia são usadas como forma de encobrir o trabalho forçado. As CTs se apresentam como um total retrocesso para o que celebramos e refletimos na data de 18 de maio, que é o cuidado através da liberdade e da luta contra o proibicionismo às drogas e à abstenção de substâncias”, afirma Juliana.

Além dos mapeamentos, o projeto também prevê cuidados médicos e psicológicos, atividades educativas, culturais e de lazer, visando à ressocialização dos indivíduos em sofrimento psíquico. “Com isso, o objetivo é criar espaços de acolhimento e cuidado para pessoas que passam por problemas de saúde mental e/ou dependência química, proporcionando um ambiente seguro e humanizado para que elas possam se recuperar e retomar o convívio social”, destaca.

A luta antimanicomial segue sendo um movimento social que busca a transformação das práticas de atenção à saúde mental e uma importante bandeira em defesa dos direitos humanos e da dignidade das pessoas. Nesse sentido, Juliana pontua que o projeto pretende agir como um ato de denúncia às práticas adotadas pelas Comunidades Terapêuticas. “A luta antimanicomial é pela liberdade e pela vida digna de pessoas que muitas vezes são excluídas e estigmatizadas pela sociedade. Acreditamos que o tratamento desses indivíduos deve ser realizado em um ambiente que valorize a vida, o bem-estar e a autonomia”, conclui.

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