Amazônia Azul: a bordo do navio Vital de Oliveira, pesquisadores da UFF analisam conexões entre o oceano e as mudanças climáticas

Crédito da fotografia: 
Thaís Lobato

Pouco conhecida pelos brasileiros, a Amazônia Azul — denominada também zona econômica exclusiva (ZEE) — é o território marítimo do Brasil, correspondendo a uma área de 4,5 milhões de quilômetros quadrados equivalente a mais da metade da área continental do país. O Brasil exerce soberania sobre essa região, que apresenta um enorme potencial de recursos, biodiversidade, recursos minerais, energéticos e não extrativos. A fim de explorar sua fertilidade, pesquisadores de várias universidades do país embarcaram no Navio de Pesquisa Hidroceanográfico (NPqHo) Vital de Oliveira no dia 22 de outubro, com projetos que vão desde a coleta de amostras para análise de microplásticos até biogeoquímica marinha, meteorologia e oceanografia, por exemplo.

A Universidade Federal Fluminense (UFF) é representada a bordo pelo projeto DiMAS (Dinâmica Meridional do Acoplamento Oceano-atmosfera no Atlântico Sul), criado em 2015 sob a justificativa de investigar os processos de acoplamento entre atmosfera e oceano no Atlântico Sul, e como esses processos afetam o clima sobre o Brasil e a América do Sul em geral. Idealizado pelos professores do Departamento de Engenharia Agrícola e Meio Ambiente André Belém e Márcio Cataldi, o projeto foi submetido ao edital do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) N° 01/2014 para utilização da embarcação H-38 NHo Cruzeiro do Sul. No entanto, não foi possível utilizar o Cruzeiro do Sul, e o MCTIC convidou a equipe para realizar o estudo em outro navio, o Vital de Oliveira.

O DiMAS tem por objetivo estudar a dinâmica do acoplamento entre a atmosfera e o oceano no sistema de correntes do Atlântico Sul. Por isso, são utilizados os sistemas embarcados no  Vital de Oliveira, plataforma operacional da iniciativa, para colher amostras de temperatura, salinidade e correntes marinhas. “Como principais atividades, temos a coleta e processamento de dados CTD (equipamento para medir temperatura, salinidade, oxigênio dissolvido na água e fluorescência), além de medir correntes de até 5000 m de profundidade em algumas estações”, afirma o professor André. As informações são coletadas para o programa internacional PIRATA (Prediction and Research Moored Array in the Tropical Atlantic), uma rede de observação in situ composta por boias que monitoram uma série de variáveis dos processos de interação oceano-atmosfera no Atlântico Tropical.

As atividades referentes ao projeto são realizadas no Observatório Oceanográfico da UFF, localizado no campus da Escola de Engenharia em Niterói. No laboratório, a disseminação de informações precisas sobre os oceanos, o clima do planeta e as diferentes interações entre seus componente físicos e biológicos estruturam as linhas de pesquisa vinculadas. Gráficos de temperatura e salinidade para comparação com dados de satélite também são produzidos pela equipe, além da coleta de elementos sobre fenômenos atmosféricos e meteorológicos durante as expedições. Amostras de água são depois analisadas quanto a seu conteúdo isotópico, uma espécie de "assinatura" geoquímica, que indica quais processos influenciaram a formação da massa d'água específica de onde o material foi retirado.

A metodologia utilizada influenciou na publicação de um artigo baseado em amostras coletadas nas campanhas com a Marinha do Brasil, identificando processos da dinâmica oceano-atmosfera na região do Atlântico Sul Ocidental. Isótopos estáveis (elementos que não se deterioram com outros, visto que suas combinações particulares de prótons e nêutrons são estáveis) têm sido amplamente utilizados tanto para discutir os processos atuais de circulação oceânica quanto para reconstituir como as correntes oceânicas afetaram o clima no passado. “O que encontramos até o momento é que as massas de água apresentam uma marcada característica sazonal que se correlaciona com eventos climáticos conectados à monção sul americana, que é o principal evento climático responsável por trazer umidade sobre o Brasil”, destaca o pesquisador André Belém.

Sobre a embarcação

O Vital de Oliveira, principal plataforma de pesquisa da Marinha do Brasil, é hoje o navio responsável pela manutenção, troca e instalação das boias do programa PIRATA no país. Seu nome é uma homenagem ao capitão de fragata recifense Manuel Antônio Vital de Oliveira (1829-1867), patrono da hidrografia devido aos seus importantes levantamentos da costa brasileira entre os rios São Francisco e Mossoró, que auxiliaram na confecção de uma série de cartas náuticas.

Sua tripulação é composta por aproximadamente 90 marinheiros e 40 pesquisadores de graduação e pós-graduação de recursos naturais e biodiversidade marinha. Matheus Paiva, aluno do Programa de Pós-Graduação em Dinâmica dos Oceanos e da Terra (PPG-DOT) e integrante do DiMAS, justifica que essa oportunidade traz grandes expectativas pessoais de aprendizado, além de parcerias acadêmicas e profissionais: o mestrando é responsável por supervisionar a qualidade dos dados hidroceanográficos coletados e coordenar a atividade de outros 3 pesquisadores também associados ao DiMAS. “Tal honra me motiva e inspira, e é com esse sentimento que embarco disposto a hastear, com muito orgulho, a bandeira da UFF e do Observatório Oceanográfico nas áreas mais remotas do Atlântico Sul e nos anais da ciência brasileira e internacional”, sublinha.

O embarque dura de 2 a 3 meses, mas o processamento, análises e publicação dos resultados extrapolam os outros meses do ano. Além da análise de dados, há também um período focado na publicação científica dos resultados. “Esse ciclo é importante, pois é com base em publicações que os modelos de previsão numérica são modificados, melhorando nossa habilidade de prever o tempo e o clima”, destaca Yaci Gallo, também coordenadora do DiMAS e doutoranda do PPG-DOT. Nas semanas que antecedem a viagem, existe uma logística de preparação, treinamento de pessoal embarcado, testes com softwares novos e atualização dos protocolos de medições.

A maioria das análises de dados é feita nos computadores do Observatório Oceanográfico da UFF, mas as calibrações e medições com amostras normalmente são realizadas em outras instituições. A calibração dos dados de salinidade, por exemplo, foi realizada pela equipe nas dependências do Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira, em Arraial do Cabo (IEAPM). As análises isotópicas, no entanto, estão sendo realizadas na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Em 2020, o DiMAS será representado por Yaci no Centro Helmholtz de Pesquisa Oceânica (GEOMAR) em Kiel, na Alemanha, para um intercâmbio acadêmico e técnico, desenvolvendo novas técnicas que serão utilizadas no projeto. “Temos uma equipe grande de colaboradores tanto da UFF como da UERJ, e até mesmo da Marinha do Peru. Uma de nossas alunas de mestrado, Milagros Aliaga, é tenente da principal força de defesa peruana, realizando seu trabalho junto ao Observatório Oceanográfico”, enfatiza André.

“O projeto DiMAS busca manter-se em constante evolução, seja utilizando as melhores práticas  realizadas pela comunidade científica mundial, seja estreitando laços com outras instituições e setores sociais. Desta forma, amplia-se o entendimento geral sobre os processos oceânicos e climáticos do Atlântico Sul que regem as condições ambientais brasileiras, e isto, por sua vez, potencializa ganhos sociais, estratégicos e econômicos em nível nacional”, reafirma Matheus Paiva. Além disso, conhecer e monitorar a Amazônia Azul é essencial para seu desenvolvimento sustentável e proteção. A disseminação de informação correta e de qualidade é uma estratégia essencial para a conservação dos recursos marinhos do Brasil e do mundo.