Em defesa da Universidade Pública, contra o corte de energia

A reitoria da Universidade Federal Fluminense (UFF) está com o fornecimento de energia elétrica interrompido desde a manhã de terça-feira, 12 de dezembro. Nesta data, a empresa prestadora do serviço, unilateralmente e de lado contrário à lei, cortou a luz do prédio alegando a falta de pagamento da conta. Desde então, o prédio da administração está no escuro, prejudicando seriamente as funções administrativas, como a titulação de alunos, pagamento das bolsas e de salários dos servidores. É com indignação que a comunidade universitária desta instituição recebe o ato desleal, que visa colocar a UFF em situação desvantajosa nas negociações e, em última análise, ameaçar o patrimônio público em benefício dos lucros privados da empresa. Todavia, cabe a nós entender plenamente como a situação chegou a esse ponto e quais medidas devemos tomar.

Uma explicação, amplamente difundida pela imprensa nesta semana é de que a UFF simplesmente não pagou a conta de luz. O Ministério da Educação informou ao jornal O Globo que repassou integralmente 100% do recurso disponível para a Universidade no ano. Assim, a UFF não pagou a conta de energia por “falha na gestão da instituição”. Lamentavelmente, esta explicação simplifica o problema e esconde os verdadeiros fatos, inclusive a ponto de ignorar acordo judicial assinado pelo próprio MEC.

Vamos desdobrar a situação atual. Assim como as casas das famílias, a UFF recebe sua conta de luz e de água todo mês e quita com o orçamento corrente do ano, repassado parte a parte todo mês pelo MEC. De fato, o Ministério da Educação liberou o recurso, correspondente aos 100% do orçamento de 2017, com o qual a gestão paga suas contas mensalmente.

No entanto, o problema é mais profundo. Primeiro, os contratos de serviços terceirizados e contas de água, energia elétrica e telefonia têm sido reajustados acima da inflação, o que não ocorre com o orçamento destinado à Universidade, que teve em 2017 uma redução de 18 milhões de reais no valor anual repassado pelo MEC em comparação com 2014. Segundo, e mais importante, a dívida que está em aberto com a Enel não é referente a 2017. O acordo judicial para o pagamento desta dívida está fora do orçamento. O débito de R$ 16,4 milhões de reais é referente ao não pagamento das contas de energia entre junho de 2014 e dezembro de 2015, herdado pela atual gestão.

O que aconteceu neste período para gerar o débito? Passamos por um vigoroso período de expansão de vagas e de inclusão de estudantes, muitos de baixa renda. Tivemos sucesso em alterar o perfil sociodemográfico da UFF e dar uma cara mais representativa do povo brasileiro. Contudo, em 2015, o jogo se inverteu severamente. A gestão que assumiu a reitoria recebeu um montante de dívidas internas total de R$ 74 milhões. Ao mesmo tempo, o MEC cortou mais de 13,1 milhões de reais da verba repassada para a UFF naquele ano. Pressionada pelas dívidas, de diversas naturezas, a gestão priorizou o pagamento de bolsistas e dos terceirizados. Lutamos bravamente para manter abertas as portas da Universidade. Durante 2015, realizamos uma pesquisa financeira, um pente fino em nossas contas, e chamamos todos os representantes a quem a instituição devia para negociar os valores e organizar a casa.

Prova inquestionável é que, em 19 de janeiro de 2016, houve uma audiência de conciliação na 4ª Vara da Justiça Federal de Niterói, entre a UFF, o MEC e a ENEL (na época Ampla) para negociar o pagamento da dívida com a ENEL. A UFF e o MEC assinaram em juízo o acordo para parcelamento do débito de cerca de R$ 16,4 milhões. O MEC, que se comprometeu a honrar o acordo firmado entre a Universidade e a empresa de energia, entretanto, só repassou cerca de R$ 6,1 milhões em recursos extra orçamentários e, por isso, este acordo não foi honrado como esperado. Faltam ainda mais de R$ 10 milhões.

Retomemos este ponto. Herdamos uma dívida vultosa, correspondente a cerca da metade de todo o orçamento anual, lutamos para negociar os valores e conseguimos um acordo judicial, com assinaturas da UFF, do MEC e da Enel. No entanto, o Ministério da Educação não cumpriu sua parte do acordo, reconhecida perante o juiz. A verba referente ao acordo não diz respeito ao orçamento corrente da UFF em 2017, já repassado pelo MEC. Essa verba possui um vínculo extraorçamentário. É neste ponto que começamos a compreender o episódio do corte de luz da UFF e as versões que saíram na imprensa logo em seguida.

Nesta terça-feira, a Enel, em atitude sumária e que protagoniza um ataque frontal ao patrimônio público e ao ensino superior federal, interrompeu como forma de pressão, o fornecimento de energia da reitoria da universidade. Mesmo com total compromisso e seriedade da gestão em assumir e negociar as dívidas em voga, a empresa tomou uma decisão que mostra total descompromisso, falta de sensibilidade e, porque não dizer, falta de respeito com o interesse público. Lembramos que a empresa de energia já recebeu parte do pagamento (R$ 6,1 milhões) em 25 de outubro de 2017 e também tem conhecimento que R$ 4 milhões estão empenhados e liquidados hoje.

Além desse golpe nas costas, também já fomos informados que a Enel tem realizado sério assédio para cortar a luz do Hospital Universitário Antonio Pedro. Esta segunda ameaça é ainda mais grave, porque evidencia completa falta de humanidade e desrespeito com a vida humana, na medida em que essa ação atinge no coração toda a rede de saúde da macrorregião de NIterói. Uma prova cabal do total descompromisso da Enel com a cidade e com o Brasil.

Sabendo disso, retomamos a pergunta: por que a UFF está sem luz? Além disso, quais as razões conjunturais para um ataque desproporcional à instituição? Certamente não é porque a Enel possui qualquer instabilidade financeira, tendo em vista que seu balanço orçamentário de 2016 indica lucro líquido de quase 700 milhões de reais.

Essa ação grave e autoritária da empresa tem o objetivo de colocar o Estado a serviço do lucro das grandes multinacionais que operam os serviços básicos de fornecimento de bens públicos básicos do Brasil. Passamos por um momento impetuoso da conjuntura nacional, que mostra um avanço de forças obscurantistas sobre a autonomia e liberdade de pensamento e de ação das universidades públicas. Recentemente, todos percebem os sinais dessa doença que se espalha rapidamente, como as conduções coercitivas dos reitores da UFSC e da UFMG em atos que chocaram pela simbologia de guerra contra o bem público.

Convocamos a comunidade universitária da UFF a realizar uma reflexão profunda sobre o simbolismo dessas afrontas ao bem público nacional. Reforçamos a indignação com que recebemos o ato unilateral e insensível da empresa, que visa colocar a UFF contra a parede com o objetivo de pressionar os gestores a tomar medidas desesperadas. Todavia, a gestão da UFF tem sido transparente, serena e firme diante da crise econômica dos últimos anos, mantendo o caixa equilibrado e arcando com as despesas possíveis, já que os cortes de verbas e a falta de depósito de repasses de recursos extraordinários têm atingido não só a UFF, mas todas as universidades públicas e instituições federais de ensino superior do país.

Sidney Mello
Reitor

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