O termo criosfera é utilizado para se referir a todo o gelo e neve existentes na superfície terrestre. De acordo com o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera (INCT Criosfera), os principais componentes da criosfera são o gelo de água doce em lagos e rios, no ambiente marinho, nas montanha, no subsolo, os mantos de gelo, os cristais na atmosfera e a neve. Atualmente, a criosfera permanente cobre quase 11% da superfície da terra e afeta o balanço de energia global, a umidade, o fluxo de gases e partículas, a formação de nuvens e condições hidrológicas. Com isso, as ciências polares – que se dedicam aos estudos da criosfera – apesar de formarem uma área de pesquisa ainda recente, demandam um destaque cada vez maior no meio científico.
O fundo marinho e o fundo de lagos são importantes arquivos de variações climáticas e ambientais – Rosemary Vieira
A partir do conhecimento desses dados, em 2011 o Laboratório de Processos Sedimentares e Ambientais (LAPSA) iniciou seus trabalhos com atividades voltadas para a investigação dos registros biogeoquímicos, geomorfológicos e sedimentares em ambientes marinhos, lacustres e terrestres da criosfera, a exemplo da Antártica e cordilheira dos Andes, como forma de buscar comparações e relações entre os fenômenos. O grupo de pesquisa faz parte do Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense (UFF), é coordenado pela professora Rosemary Vieira, do Departamento de Geografia, e composto por discentes de graduação e pós-graduação da UFF.
De acordo com a coordenadora do laboratório, o fundo marinho e o fundo de lagos são importantes arquivos de variações climáticas e ambientais em diferentes escalas temporais. Considerando isso, os estudos do LAPSA se concentram em três linhas: reconstrução das variações climáticas ao longo da história da terra, ou seja, a paleoclimatologia; identificação e interpretação dos processos geológicos e suas implicações paleoclimáticas; e investigações do impactos das mudanças climáticas nos sistemas glaciais.
Através de uma parceria com o Programa Antártico Brasileiro, outras universidades nacionais e centros de pesquisa estrangeiros, como o Instituto Antártico Argentino e o Instituto Antártico Chileno, o LAPSA participa de algumas expedições organizadas até a região da Antártica durante períodos específicos do ano para a coleta de dados geofísicos, oceanográficos e meteorológicos, além de amostras de água e de sedimentos do fundo marinho. Em decorrência da pandemia, os pesquisadores do LAPSA ficaram dois anos sem embarcar e estão reiniciando as expedições em novembro deste ano, com previsão de retorno em dezembro.
A área da Antártica em que o grupo está trabalhando é a que mais tem se aquecido nos últimos 60 anos. – Rosemary Vieira
“O trajeto compreenderá as Ilhas Shetland do Sul, o Estreito de Breinsfield e a ponta norte da península Antártica. Faremos uma sondagem de testemunhos marinhos através do recolhimento de colunas de sedimentos. Estes sedimentos serão resfriados e transportados para o Brasil de navio. Também pretendemos realizar alguns voos de drone para medir o campo a fim de entender o comportamento das geleiras e dos lagos da região. As análises do material recolhido serão feitas no IGEO-UFF e em outros institutos parceiros que compõem o INCT Criosfera”, explica Rosemary.
A doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFF, Vanessa Costa, relata que suas experiências no LAPSA foram essenciais no começo de sua carreira, e hoje a cooperação entre os integrantes é indispensável para a construção de sua tese. “Aqui no Brasil, as áreas de neve e gelo parecem estar muito distantes, mas o planeta tem processos conectados e as mudanças na criosfera nos afetam mais do que imaginamos. Estudar essas áreas nos ajuda a entender as mudanças climáticas e mitigar suas consequências. O LAPSA está na Geografia, Física, Biologia, Geologia, Geofísica, e a integração entre as áreas é muito importante também pela experiência dos seus integrantes. Além disso, o compartilhamento de conhecimentos e técnicas vistas no LAPSA aos estudantes mais novos também trazem um grande aprendizado”.
Rosemary destaca que a área da Antártica em que o grupo está trabalhando é a que mais tem se aquecido nos últimos 60 anos. A temperatura já subiu em torno de 3°C, em média. “No norte da península Antártica já houve recordes de temperaturas máximas do continente, com alguns registros de até 20°C positivos, o que reforça a tendência ao aumento da temperatura nessa região como um reflexo do aumento da temperatura em escala global”.
100 mulheres na ciência polar: professora da UFF é uma das cinco brasileiras em lista internacional
A rede Women in Polar Science (WiPS) começou em 2014 com o objetivo de conectar e apoiar mulheres que trabalham na pesquisa da Antártica e do Ártico. A comunidade reúne cerca de 10.000 indivíduos em várias plataformas de mídia social de todos os continentes do mundo e em todos os níveis de carreira e gestão. A WiPS compartilha as experiências das mulheres pesquisadoras das regiões polares, sejam sucessos ou lutas, ao mesmo tempo em que destaca suas contribuições para a ciência global. Women in Polar Science é um projeto que trabalha para uma ciência polar mais equitativa com a aspiração de um futuro inclusivo, apoiando uma comunidade global diversificada e ajudando os pesquisadores a alcançar o melhor de seu potencial.
A professora Rosemary é uma das cinco pesquisadoras do Brasil apresentadas pela lista da WiPS de mulheres nas ciências polares. A lista coleta histórias de 100 mulheres do mundo todo em empregos polares, tanto na ciência quanto em funções não acadêmicas. “A curiosidade por investigar o clima sempre me motivou. Desenvolvo pesquisas sobre reconstrução paleoclimática da área da Antártica Marítima há muitos anos. Também já fui em muitas expedições à região, sendo que duas vezes, em 2008 e 2011, fui até o interior do continente. Além disso, no LAPSA temos publicações em parceria com universidades nacionais e internacionais, somando mais de 70 artigos sobre o tema”.
Rosemary ressalta ser muito importante estar nesta lista, pois confirma o aumento crescente da participação brasileira na pesquisa das regiões polares, importantes reguladoras do clima terrestre. “É também um incentivo à inserção feminina na pesquisa brasileira sobre a Antártica. Atualmente, o número de pesquisadoras no Programa Antártico Brasileiro é igual ou até superior ao do quadro masculino”. Por fim, a docente reitera que ainda há muito o que entender sobre a Antártica e as regiões polares. “Os sistemas naturais das regiões polares são muito complexos e existem muitas coisas para descobrir sobre eles. É necessário perceber que operam em uma escala de tempo completamente diferente da humana. Portanto, como cientistas, é essencial usar nossa pesquisa para ajudar a entender essa realidade”, conclui.