Soft power e a Hallyu: Pesquisadora da UFF aborda a expansão da influência sul-coreana através do entretenimento

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As produções cinematográficas e os grupos de K-pop são as principais fontes de influência no Brasil

Na última década, a música pop sul-coreana se tornou um fenômeno de alcance global. Com coreografias envolventes e canções eletrizantes, grupos de K-pop como BTS e Blackpink quebraram recordes e ganharam alguns dos maiores prêmios da indústria musical. A Coreia do Sul, também, se tornou um dos principais exemplos de como é possível fazer política através da música, do cinema e da culinária. Além disso, no ano de 2023 celebra-se os 60 anos da imigração de coreanos para o Brasil, que começou pouco depois do fim da guerra que dividiu a Coreia em dois países. Hoje, cerca de 50 mil coreanos e descendentes vivem no país.

Atualmente, as tecnologias e produções audiovisuais coreanas ocupam espaços nunca antes imaginados. Em 2020, Parasita se tornou o primeiro longa de “língua estrangeira” a vencer o Oscar de melhor filme. No ano seguinte, a série Squid Game (Round 6) se tornou a atração mais vista da história da Netflix, com mais de 142 milhões de visualizações em apenas um mês de exibição. Além disso, a Coreia do Sul é a décima maior potência econômica do mundo – acima de Rússia e Brasil – e sede de empresas como Samsung, LG, KIA e Hyundai.

De acordo com Daniela Mazur, doutoranda em Comunicação e pesquisadora vinculada ao MidiÁsia da Universidade Federal Fluminense (UFF), “hoje, a ‘Onda Coreana’ (conhecida também como ‘Hallyu’) está vivendo seu estágio global. Até chegar a isso, passou por diferentes fases de alcance regional e também de expansão além-Ásia. Antes de virar um fenômeno de exportação, a cultura pop sul-coreanos moldes principais que a conhecemos hoje – começou como um projeto de industrialização nacional, visando abastecimento local e diminuição da dependência desse tipo de importação. Com sua gradativa estruturação industrial e aumento na capacidade de produção de cultura pop, a Coreia do Sul começou a apostar em pontuais exportações, que se intensificaram, criando suas próprias lógicas de circulação com os países vizinhos. Via leis, apoios governamentais e estímulos da iniciativa privada, que aconteceram em meio às rápidas e agudas mudanças no cenário local, a industrialização da cultura pop e midiática se provou como um investimento importante e lucrativo para o país”.  

Através do crescente interesse pela pesquisa sobre a Onda Coreana e suas vertentes, além do absoluto apoio dos professores e projetos de Estudos de Mídia da UFF, algo pelo qual Daniela Mazur era estritamente fã se tornou também um objeto de trabalho. Entre os projetos em que ela faz parte, o MidiÁsia é um grupo de pesquisa  que reúne profissionais interessados em assuntos relativos à Ásia, com ênfase em mídia e cultura contemporânea. A proposta do grupo é questionar padrões pré-estabelecidos no Ocidente e produzir formas de pensar o Oriente a partir de outros olhares. O grupo foi criado pelo departamento da Pós-graduação em Comunicação da UFF em 2019, sob a coordenação do professor Afonso de Albuquerque e da doutora Krystal Urbano.

Com o aumento do interesse pelo Oriente, o país asiático, que há meio século era arrasado pela pobreza, mudou radicalmente a sua imagem para uma potência tecnológica. Neste contexto, partindo dos últimos dez anos, o sucesso da ascensão coreana atualmente tem como base a relação entre a sua estrutura histórica, cultural, política, social e econômica que, para garantir suas conquistas e interesses, o país recorreu a uma forma de domínio mais branda, conhecida como “Soft Power”, em que a cultura é o principal instrumento de poder.

“Na realidade, a expansão global da cultura sul-coreana está atualmente fincada no alcance da sua cultura pop. Logo, o entretenimento possui um papel central, pois é através desses produtos midiáticos que a Coreia do Sul apresenta facetas da sua cultura, história e sociedade para o resto do mundo. São perspectivas pensadas enquanto produtos? Sim. Mas também são meios de aproximação com as raízes nacionais, introduzindo os pilares complexos formadores de uma nação que tem mais de 5 mil anos de história. Dessa forma, é importante não essencializar a cultura sul-coreana, apresentada de forma limitada pela Onda Coreana, e ter consciência que a complexidade dessa cultura milenar e seu povo vão muito além do que os produtos midiáticos que circulam graças às recentes estruturas industriais e capitalistas”, afirma a pesquisadora.

O conceito de "Hallyu" surgiu na década de 1990, criado por jornalistas chineses que testemunharam o impacto da cultura sul-coreana na China. Esse fenômeno se espalhou rapidamente para outros países asiáticos e, posteriormente, para o resto do mundo, conquistando pessoas de todas as partes do globo. Esse processo foi dividido em diferentes etapas: a chamada “Primeira Onda” ou Hallyu 1.0 (trouxe um aumento significativo no total de exportações  e as empresas coreanas evoluíram seus produtos), a “Segunda Onda” ou Hallyu 2.0 (trouxe a exportação de novos objetos culturais, como, por exemplo, o K-pop) e a “Terceira Onda” ou Hallyu 3.0 (abrange jogos eletrônicos, K-drama, a gastronomia (K-food), moda (K-fashion), turismo e o idioma coreano).

A partir disso, a influência do mercado brasileiro para o crescimento da onda coreana no país é essencial para o incentivo da vinda de artistas sul-coreanos e da importação de produtos. Daniela Mazur complementa que “o Brasil é um país atraente porque o público é caloroso, a experiência de se apresentar para uma plateia como a brasileira é normalmente citada como marcante para artistas de diferentes lugares do mundo. Além disso, é um fandom engajado, está muito presente e participa intimamente das lógicas do consumo de fãs, especialmente nos espaços online, os mais comuns para os fãs da Hallyu. Também não podemos esquecer que o Brasil é um país que dita influências especialmente na América Latina, então conquistar o público brasileiro é importante para um fenômeno como o da Onda Coreana”.

Desde 1997 São Paulo e Seul são consideradas cidades irmãs, tendo um acordo bilateral entre as capitais que envolve a agenda ambiental e sustentabilidade. Segundo a pesquisadora Daniela Mazur, o significado dessa comemoração para a história sociocultural coreana seria o de intensificar as pontes culturais, pois ambos os países possuem indústrias de referência global. “Frente ao fato que Coreia e Brasil são nações que não são anglófonas e nem centrais aos tradicionais fluxos globais, a maior aproximação midiática entre eles criaria lógicas importantes para o momento de mudanças no cenário global, que poderiam se tornar inspiração para mais interações entre países sem a mediação das nações centrais/ocidentais. Para além disso, a celebração e o aprofundamento dos entendimentos e práticas coreanas que estão presentes na sociedade brasileira seriam essenciais para firmar dinâmicas que se distanciam do orientalismo, preconceitos e exotismos”, conclui Daniela.

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