Mudanças climáticas: pesquisadores da UFF realizam expedição científica na costa brasileira

Professora Ana Luiza (à direita de camiseta preta e óculos escuros) e equipe Foto: Divulgação

A bordo do navio de pesquisa oceanográfica RV Meteor, de bandeira alemã, uma equipe do departamento de Geoquímica da Universidade Federal Fluminense, coordenada pela pesquisadora Ana Luiza Spadano Albuquerque, participou de uma expedição científica sobre clima. Nos meses de março e abril a embarcação percorreu o litoral brasileiro, partindo do porto do Rio de Janeiro indo até Fortaleza.

Foram 26 dias de viagem, na qual participaram pesquisadores da UFF, da Universidade de São Paulo (USP) e universidades da Alemanha, Inglaterra e Itália. Eles fizeram um levantamento de dados e amostras com o objetivo de subsidiar os estudos sobre mudanças climáticas. Intitulado UFF-USP South American Climate Change: from the past to the future (Mudanças Climáticas na América do Sul: do passado ao futuro), o projeto integra universidades que atuam na área de registro do passado geológico visando perspectivas para o futuro.

A UFF, em consórcio com a USP, obteve aprovação para a implantação do Programa de Pós-Graduação Internacional na área de Mudanças Climáticas. O programa será custeado pelo fundo Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e será inteiramente voltado para a capacitação de recursos humanos em níveis de mestrados e doutorados internacionais. O projeto possibilitará a UFF consolidar uma posição de liderança nas pesquisas sobre mudanças climáticas no Brasil.

Na entrevista a seguir, a pesquisadora Ana Luiza Albuquerque fala sobre as duas iniciativas:

Em que período ocorreu a pesquisa oceanográfica?

Ana Luiza: Embarcamos num cruzeiro oceanográfico para realizar o Projeto Samba, cujo principal tema de estudo foi fazer um Balanço Hidrológico e de Paleoceanografia no Sudoeste do Atlântico durante o Pleistoceno Tardio e Holoceno. A cooperação internacional, firmada entre a UFF e a Universidade de Heidelberg, na Alemanha, possibilitou que a viagem ocorresse entre os dias 21 de março e 15 de abril, entre os portos do Rio de Janeiro e Fortaleza.

Quem participou da viagem?

Ana Luiza: A equipe embarcada no RV Meteor foi formada por 28 cientistas de quatro países (Brasil, Alemanha, Inglaterra e Itália), que durante 26 dias participaram de intenso trabalho de coleta de dados e amostras, que serão objeto do estudo de inúmeras dissertações de mestrado e teses de doutorado nos diferentes países participantes. Todos os dados levantados durante o cruzeiro foram integralmente compartilhados pelos pesquisadores envolvidos, enquanto que as amostras coletadas foram partilhadas, sendo 30% do material, o que correspondeu a uma tonelada de sedimentos, transportado e armazenado na UFF, e o restante armazenado no repositório do Instituto de Pesquisa Marinha da Universidade de Kiel (Geomar), na Alemanha.

E quanto aos objetivos?

Ana Luiza: o principal objetivo do cruzeiro foi coletar material (água do mar e sedimento marinho) nas regiões da costa brasileira sob influência dos rios Paraíba do Sul, Doce, Jequitinhonha e São Francisco, com o objetivo de subsidiar as pesquisas sobre as mudanças climáticas ocorridas no Brasil ao longo dos últimos 180 mil anos. Considerando que o Painel Internacional Mudanças Climáticas (International Painel for Climate Change - IPCC) admite em seu último relatório que a Terra está, de fato, atravessando um período de mudanças climáticas, a busca pela previsibilidade do clima no futuro passou a ser considerado como estratégico para o desenvolvimento dos países.

Como surgiu a ideia do projeto?

Ana Luiza: eu e uma equipe de professores propusemos a elaboração de um Programa de Pós-Graduação Internacional, para os países integrantes do bloco BRICS, por meio da parceria entre o Laboratório Oceanografia Operacional e Paleoceanografia (LOOP - http://www.loop.uff.br) e da Rede Interinstitucional de Paleoceanografia e Oceanografia (grupo de pesquisa da UFF apoiado pelo CNPQ).

Afinal, o clima está mesmo mudando?

Ana Luiza: De fato, essa é uma pergunta que o mundo todo está se fazendo, e acho um tanto forte afirmar que eu tenho a resposta. No máximo, opino com base nas evidências de nossos estudos. E para esta questão a resposta é sim. O próprio IPCC, em seu último relatório, afirma também que sim. Dessa forma, a Terra está atravessando alterações no seu balanço de energia, o qual está relacionado com as mudanças climáticas.

Como os pesquisadores de mudanças climáticas do passado (paleoclima) chegam a um modelo de previsão do clima futuro?

Ana Luiza:  As medidas instrumentais do clima são bastante curtas, não ultrapassam cerca de 350 anos. No entanto, muitos eventos e mecanismos do clima que atuam em frequência mais baixa nunca foram registrados instrumentalmente. Dessa forma, a paleoclimatologia,; ou seja,  a recuperação da variabilidade do clima em larga escala temporal, permite o entendimento das respostas da Terra frente à condições climáticas ainda não registradas (instrumentalmente). Nesse sentido, a interação entre a paleoclimatologia e os modelos preditivos do clima é fundamental, pois é a única forma de validar os modelos climáticos, considerando a variabilidade do passado. Assim, se um modelo climático reconstitui bem o clima do passado, certamente simulará bem o clima do futuro.

E como esse tema se integra com a proposta da Universidade em Rede no âmbito do BRICS?

Ana Luiza: Em novembro de 2015, a presidência da república assinou com os países do bloco econômico BRICS acordo de cooperação internacional para a criação de uma Universidade em Rede (Brics-Network University). Para tanto, foram elencadas seis áreas estratégicas, dentre as quais as mudanças climáticas, visando à formatação de Programas de Pós-Graduação Internacionais (PPGs). Baseado nisso, a Fundação Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) abriu o Edital Brics-NU em dezembro de 2015, com o objetivo de selecionar duas PPGs em cada um dos temas estratégicos selecionados. Apenas PPGs classificadas pela Capes como de excelência (nível 6 ou 7) puderam participar dessa chamada. As PPGs da UFF com linhas de pesquisa ligadas às Mudanças Climáticas (Geoquímica, Geografia e Física), lideradas por mim se uniram a duas outras da USP (Geoquímica e Geotectônica, e Meteorologia) para elaborar uma proposta focada na reconstituição do clima na América do Sul, modelagem climática e impactos das mudanças climáticas (UFF-USP South American Climate Change: from the past to the future), a qual foi uma das selecionadas nesse Edital.

Há outros projetos brasileiros selecionados nesse tema?

Ana Luiza: A UFF e a USP, junto com a PPG em Ecologia e Mudanças Climáticas do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), que foi o segundo projeto selecionado, formarão um consórcio com os demais grupos selecionados nos diversos países do Brics para consolidar essas PPGs. Além disso, uma reunião de direcionamento nacional com os coordenadores das propostas selecionadas foi realizada no último dia 31 de março no MEC, em Brasília. Depois desse encontro, ocorreu a primeira reunião do Brics-NU, que aconteceu entre os dias 6 e 8 de Abril, em Ecaterimburgo, na Rússia. Nessa primeira reunião, os diversos países apresentaram seus grupos em cada um dos seis temas estratégicos, e teve início a discussão de propostas pedagógicas, de mobilidade estudantil, pesquisa em cooperação multilateral, os quais constituirão a base das PPGs da Universidade em Rede do Brics. A segunda reunião está agendada para setembro na Índia, quando se espera avançar significativamente com a proposição de um calendário para início das atividades, pretendido para o segundo semestre de 2017.

O trabalho terá continuidade?

Ana Luiza: As entidades parceiras que estão à frente do trabalho seguem um cronograma de trabalho, que integra a UFF e USP. Sendo que o grupo UFF é formado por pesquisadores dos Programas de Pós-Graduação em Geoquímica, Geografia e Física, enquanto que a USP integrará a equipe com pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Geoquímica e Geotectônica (IGC) e de Astronomia e Geofísica (IAG).

Que benefícios os resultados do trabalho trarão para a UFF e para a sociedade?

Ana Luiza: Ele será um marco na formação de recursos humanos e no desenvolvimento de pesquisa científica sobre o clima. Considero que o tema Mudanças Climáticas faz parte, como assunto prioritário, das agendas governamentais em todo planeta, e a cada dia mais, está identificado como uma preocupação da sociedade. E o envolvimento da UFF na vanguarda da pesquisa e educação nessa área será um marco institucional.

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