Pesquisadores da UFF coordenam estudo global sobre os impactos da COVID-19 nos sistemas de justiça

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A pandemia do COVID-19 surpreendeu todas as nações do planeta e está desencadeando a busca por mecanismos eficientes para conter a disseminação da doença. Além da crise humanitária, o surto também provoca múltiplos impactos no cenário global e as consequências seguem imprevisíveis. Em função disso, o docente Cleber Alves e o doutorando Diogo Esteves, ambos do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD), juntamente pesquisadores internacionais vinculados ao "Global Access, to Justice Project", coordenaram um trabalho pioneiro intitulado “Estudo global sobre os impactos do COVID-19 nos sistemas de justiça”. O objetivo é avaliar os impactos ambivalentes da pandemia nos modelos judiciários de todo o mundo e o grau de comprometimento do Estado de Direito diante desse cenário.

Diogo Esteves explica que a pesquisa possui caráter empírico e que foram coletados dados quantitativos e qualitativos de 51 países entre 07 e 27 de abril de 2020: África do Sul, Austrália, Bélgica, Brasil, Bulgária, Camboja, Canadá, Cazaquistão, Chile, China, Cingapura, Colômbia, Cuba, Chipre, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Equador, Etiópia, Finlândia, França, Geórgia, Holanda, Honduras, Hungria, Índia, Irlanda, Itália, Japão, Kosovo, Lituânia, Macedônia do Norte, Malawi, Maldivas, Mongólia, Namíbia, Nepal, Nova Zelândia, Paquistão, Polônia, Portugal, Quênia, República Democrática do Congo, Serra Leoa, Seychelles, Taiwan, Tajiquistão, Tanzânia, Vanuatu, Zâmbia e Zimbábue.

“Como forma de viabilizar a coleta rápida e uniformizada de dados, a pesquisa utilizou a metodologia de questionário semiestruturado, sendo as respostas apresentadas por pesquisadores dos campos jurídico e sociojurídico, por profissionais de direito dos setores público e privado, diretores de instituições de assistência jurídica, funcionários públicos de elevado escalão e formuladores de políticas públicas de cada país analisado”, relata o doutorando.

A crise econômica desencadeada pelas medidas de isolamento social já tem gerado em alguns países a perspectiva de cortes no orçamento da assistência jurídica e isso provavelmente perdurará pelo futuro próximo. - Cleber Alves

A pesquisa apurou, por exemplo, que a maior parte dos países deixou de adotar ações setoriais para conter a violência doméstica e familiar durante o isolamento social e permaneceu omissa na implementação de alternativas habitacionais em prol das pessoas em situação de rua. Diante desses dados, uma das conclusões que Diogo destaca é que, enquanto a epidemia avança por 31% das nações em desenvolvimento analisadas no estudo, violações aos direitos humanos estão sendo cometidas sob o pretexto de mitigar a ameaça do COVID-19.

“Em 25% dos países, os governos adotaram medidas de concentração de poder nas mãos do chefe do Executivo ou da autoridade governamental equivalente. O caso mais icônico é o ‘Ato de Autorização’ (Ato XII de 2020 para a Contenção do Coronavírus), aprovado pelo Parlamento da Hungria, que autoriza o governo de Viktor Orbán a introduzir restrições significativas, praticamente sem limite de tempo, sem debate prévio no parlamento ou garantia de revisão constitucional rápida e eficaz”, destaca Esteves.

Por outro lado, o pesquisador pontua que, no âmbito dos sistemas prisionais, 47% das nações adotaram medidas de soltura temporária de detentos como forma de tentar reduzir o risco gerado pela COVID-19, já que na grande maioria dos países a alocação de presos em celas individuais se torna inviável diante da superlotação dos presídios. “As medidas mais empregadas foram as restrições à visitação das pessoas encarceradas, sendo ressalvado, em determinadas nações, o direito à visita por advogados. Para amenizar os efeitos da suspensão, alguns países têm utilizado videoconferências, e também ampliado o direito dos internos a ligações telefônicas e viabilizado mais acesso à televisão”.

O docente Cleber Alves acrescenta que, em relação aos serviços judiciários, um esforço mundial está sendo realizado rumo à sua reorganização frente à pandemia. “Houve a adoção majoritária do trabalho remoto e a opção pela suspensão temporária de audiências, prazos processuais e atendimentos presenciais, salvo em casos considerados urgentes pelas legislações locais. O surto também tem forçado a busca por meios tecnológicos como forma de evitar o contato pessoal e viabilizar o acesso à justiça, garantindo a continuidade do atendimento à população. A insuficiência de recursos e a adoção de soluções improvisadas, entretanto, acabam comprometendo a capacidade de manter níveis normais de acesso à justiça na maioria dos países estudados”, ressalta.

O professor afirma que a conjuntura da COVID-19 adiciona novas barreiras de acesso à justiça. “Há algumas décadas, estudos interdisciplinares sobre acesso aos sistemas judiciais identificam obstáculos de diversas espécies que atrapalham os cidadãos a encontrar soluções para a administração dos conflitos que surgem na vida em sociedade. O atual quadro de incerteza aprofunda essas dificuldades e mina a estabilidade desses sistemas. A crise econômica desencadeada pelas medidas de isolamento social já tem gerado em alguns países a perspectiva de cortes no orçamento da assistência jurídica e isso provavelmente perdurará pelo futuro próximo. Para superar essas questões, é preciso muita criatividade e proatividade. Diante disso, a coleta de dados pode ser de grande utilidade na compreensão de possíveis respostas para os empecilhos do acesso à justiça nesse momento de pandemia”, conclui.

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