Ser mãe na UFF: conquistas e desafios na construção de uma universidade de todos e para todos

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Não é novidade a realidade que mulheres, mães e também profissionais, enfrentam no mundo contemporâneo com suas jornadas triplas de trabalho, alternando-se entre as atividades dentro de casa, com os filhos e no mercado de trabalho. Esse verdadeiro malabarismo que praticam para conciliar universos tão distintos e extenuantes é ainda mais difícil de ser equilibrado se essas mulheres são também estudantes.

Atenta a essa realidade, a Universidade Federal Fluminense (UFF), por meio da Pró-Reitoria de Graduação (Prograd), está promovendo iniciativas direcionadas às mães que são alunas da instituição, colaborando na melhora de sua saúde física e emocional. São cinco os eixos de atuação institucional para proporcionar esse respaldo às mulheres: a sensibilização quanto ao acolhimento de mães com seus filhos nos diferentes espaços da universidade, implementando, para isso, uma infraestrutura específica, como os fraldários; o acesso e a manutenção nos programas institucionais de bolsas; a flexibilização de trâmites; o acompanhamento das taxas de retenção e evasão e o mapeamento da saúde mental.

De acordo com a pró-reitora de graduação, Alexandra Anastácio, que vem organizando essas ações, em diálogo com alguns coletivos de mães e mulheres, “a UFF é um espaço de pluralidade de ideias e diversidade e assegurar o acesso, a permanência e o sucesso acadêmico de mulheres, sobretudo das mães universitárias, é fundamental para a construção de uma universidade de todos e para todos”, ressalta.

Alexandra relata que, em março deste ano, realizou uma roda de conversa com mulheres na graduação, convidando o Coletivo Mães da UFF para uma troca de experiências sobre as dificuldades enfrentadas por mulheres e mães estudantes universitárias: “discutimos as oportunidades institucionais para que a universidade as apoiasse de forma efetiva, além dos desafios de sensibilização da comunidade para este novo perfil de estudante, nos nossos diferentes cursos”, explica.

A aluna de antropologia Ayla Vargens de Figueiredo, por exemplo, vem percebendo uma maior preocupação da universidade em oferecer um apoio institucional para essas mães estudantes. Ela é uma das integrantes do Coletivo Mães da UFF, grupo de alunas da universidade que têm filhos, cujo principal objetivo é lutar por melhorias das suas condições no espaço acadêmico, respeitando suas demandas diferenciadas.

Além disso, o grupo visa ao apoio mútuo, combatendo o preconceito, conquistando políticas específicas, e garantindo o retorno e a permanência das mães graduandas na instituição. Segundo ela, “atualmente mesmo com a universidade pública sofrendo constantes ataques, a nossa tem se mostrado à disposição para nos escutar e também considerar nossas reivindicações”, observa Ayla. Outro aspecto importante é a parceria estabelecida com o Núcleo Interseccional de Estudos em Maternidade (NIEM), que unifica o trabalho de coletivos e em torno da maternidade de diferentes universidades. Seu principal objetivo é o de criar uma rede de diálogo entre mães pesquisadoras, disponibilizando as produções acadêmicas dessa natureza.

Para a graduanda, que participa do coletivo há cerca de um ano, “numa sociedade que pretende ser democrática e preocupada com as gerações futuras, é impossível não estarmos atentos às demandas das mães, que na maioria das vezes exercem o papel de únicas responsáveis pelo bem-estar de seus filhos. A falta de políticas públicas voltadas para elas no ambiente de ensino, saúde e lazer, afeta não só essas mulheres, como toda a geração seguinte”, desabafa.

"Elas têm o direito de estar aqui, portanto, têm o direito de cursar as disciplinas, de garantia de condições para se formarem como toda e todo estudante que ingresse em uma universidade pública”, Alessandra Barreto.

De acordo com outra integrante do coletivo, a também estudante de antropologia Tatiana Viana de Oliveira, a maternidade não é apenas uma questão privada: “a igualdade teórica entre homens e mulheres deve vir acompanhada de medidas efetivas que protejam e apoiem mães e crianças, já que normalmente as mães é que ficam com a responsabilidade de criar”, argumenta. Considerando questões como essa, a pró-reitora destacou que a instalação de fraldários no bloco A, campus do Gragoatá, e também no bloco H, da Praia Vermelha, foi realizada tanto nos banheiros femininos quanto nos masculinos. 

Mesmo reconhecendo algumas dificuldades históricas na conquista de espaços diferenciados para essas mães na universidade, Tatiana faz questão de ressaltar o apoio recebido de algumas pessoas do corpo institucional. A diretora do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia (ICHF), Alessandra Barreto, é uma delas. De acordo com a diretora, o protagonismo dessas mães deve ser apontado: “Devemos parabenizá-las por não desistir, não esmorecer, por construir diálogos e pontes, por incorporar mais vozes que ecoaram sua luta. Elas têm o direito de estar aqui, portanto, têm o direito de cursar as disciplinas, de garantia de condições para se formarem como toda e todo estudante que ingresse em uma universidade pública”.

Foi também com o auxílio da diretora que está sendo implantado um espaço infantil nas dependências do instituto, como parte do cumprimento de uma lei, aprovada em 30 de agosto de 2019, que estabeleceu a obrigatoriedade de instalação de espaços infantis para o cuidados de filhos dos estudantes matriculados nas instituições. Alessandra destaca que “o ICHF tem uma história de luta a favor das políticas de acesso e permanência. Acredito que o reconhecimento desse compromisso tenha motivado as integrantes do Coletivo de mães da UFF a nos procurar em meados do mês de setembro para apresentar as dificuldades e a necessidade de criação de um espaço infantil. Ouvimos, acolhemos e apoiamos imediatamente a demanda”.

Segundo a diretora, “tanto o colegiado, como os diretórios e centros acadêmicos do ICHF compreenderam a importância deste espaço para a permanência das estudantes mães e aprovaram por unanimidade o pleito. O espaço já está disponível e será administrado pela Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PROAES). Temos certeza de que, em breve, o Coletivo de mães já estará conosco. E esperamos que este seja o primeiro, de outros espaços com a mesma finalidade na UFF”.

A psicóloga recém-formada pela UFF, Ana Carolina Padilha, vivenciou algumas dessas dificuldades quando cursava a graduação com a filha na barriga ou nos braços. Para ela, ser mãe estudante na universidade foi um desafio em muitos aspectos: “quando eu estava grávida, consegui conversar com todas as professoras que estava muito difícil para frequentar as aulas. Meus pés inchavam muito e para chegar à faculdade, o caminho que anteriormente eu fazia em 10 minutos, passou a ser feito em 40 minutos. Muitas vezes eu quase desistia de ir por esse motivo, mas ia!”. 

Quando sua filha nasceu, foram outros os obstáculos: “precisava levá-la de vez em quando comigo. No início, ela ficava mais quieta e as pessoas aceitavam mais, mas me sentia muito exposta. Meus colegas da psicologia foram muito acolhedores, sempre assegurando que estava tudo bem ela fazer um barulhinho de vez em quando. Além disso, acho que tive sorte de ter tido professoras tão acolhedoras. Por outro lado, até pouco tempo atrás, não se podia entrar com as crianças no Restaurante Universitário. Essa foi uma grande conquista do Coletivo Mães da UFF, que adiantou a vida de muita gente, e é merecido que seja destacado. Quando mães se juntam, podemos mudar o mundo”.

Um aspecto importante nas políticas universitárias de acolhimento de mães é que não se destinam somente a quem é estudante da instituição. Iniciativas vêm sendo pensadas e executadas para possibilitar uma melhor adaptação das mães também no seu ambiente de trabalho, como é o caso da concessão de pontos extras na avaliação do currículo de docentes em licença-maternidade, no edital do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic) de 2019. A medida visa reconhecer o direito das professoras em função do afastamento legal das funções de pesquisa na universidade. Essa prerrogativa, vale ressaltar, pode ser aplicada a todos os que atendem a legislação, ou seja, gestantes, pais que adotam crianças e também casais homoafetivos.

A pró-reitora Alexandra Anastácio sinaliza que as iniciativas da instituição na direção do acolhimento das mães irão seguir sendo implementadas, com a ampliação do seu alcance em diferentes esferas: “Há necessidade de expansão dessa rede de apoio para toda a universidade, não somente Niterói, mas o interior também, abrindo espaços onde essas mulheres possam transitar com as suas crianças”.  Mesmo reconhecendo os empecilhos sociais e institucionais para a execução de mudanças nessa direção, ela enfatiza: “o combate ao preconceito e à promoção da equidade como valores na universidade promove no ambiente interno o senso de justiça e a garantia de oportunidades iguais, independentemente do gênero. Nosso compromisso é consolidar estes valores no projeto de universidade que queremos e também contribuir para que estes valores extrapolem os muros da instituição, promovendo uma profunda mudança cultural de gênero, na qual homens e mulheres se sintam igualmente responsáveis pelo bem-estar familiar, em especial dos filhos, e que o acesso às oportunidades de formação e trabalho sejam de fato iguais para todos”.

A diretora Alessandra Barreto também aponta para a continuidade dessas conquistas na universidade e politização dos debates: “Ainda há muito a ser feito. A universidade tem um compromisso com as e os estudantes que ingressam em nossa instituição. As políticas de acesso precisam ser consolidadas a partir de políticas de permanência e esta ação é estratégica para a permanência e continuidade dos cursos pelas estudantes mães. Essas políticas não podem ser encaradas como assistencialismo, porque dizem respeito à construção efetiva de possibilidades para a conclusão desses projetos de vida. A formação universitária não é apenas um projeto individual: envolve famílias, em alguns casos pela primeira vez em gerações; envolve a vida de diversas pessoas. A luta contra as desigualdades e as discriminações deve ser incorporada em nossa prática cotidiana e as soluções precisam ser construídas institucionalmente para que sejam duradouras e eficazes”, conclui.

Serviço:
Mães alunas interessadas em frequentar o Restaurante Universitário acompanhadas dos filhos precisam assinar o Termo de Responsabilidade, no qual asseguram que não irão alimentar a criança com comida inadequada para a sua idade. Para regularizar o acesso, é preciso se dirigir ao Setor de carteirinhas com a documentação da mãe e da criança.

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