Atualidades UFF: Cresce a taxa de alfabetização no país, mas desigualdades sociais permanecem

Na última quinta-feira (17), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística divulgou o Censo Demográfico 2022: Alfabetização, com informações sobre o cenário educacional do Brasil

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Amanda Perobelli (Reuters)
Censo revela que pessoas negras, indígenas e da Região Nordeste continuam com os piores indicadores educacionais

Com informações referentes à alfabetização e ao analfabetismo, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou, na última sexta-feira (17), os dados do Censo Demográfico 2022: Alfabetização, que traz o cenário educacional do país na última década. O levantamento mostra que, apesar do aumento da taxa de alfabetização e da queda da taxa de analfabetismo, as desigualdades sociais permanecem, como níveis de instrução maiores entre pessoas brancas e das regiões Sul e Sudeste e menores entre pessoas negras (pretas e pardas), indígenas e da região Nordeste.

Segundo o documento, em 2022, das 163 milhões de pessoas com 15 anos ou mais de idade, 151,5 milhões sabiam ler e escrever um bilhete simples, enquanto 11,4 milhões não sabiam. Desse total, 51,4% eram homens e 48,6% eram mulheres. No período, a proporção de pessoas alfabetizadas foi de 93%, representando um aumento de 2,6% em relação à pesquisa anterior, já o índice de pessoas não alfabetizadas caiu de 9,6%, em 2010, para 7%, em 2022.


Em 2022, 93% das pessoas com 15 anos ou mais no Brasil eram alfabetizadas, enquanto 7% não / Gráfico: Agência IBGE

Fator étnico-racial impacta na educação

Apesar da melhora nos números, o cenário educacional do país ainda apresenta desigualdades explícitas. “Quando olhamos para um percentual, na minha opinião, ainda tímido e preocupante de aproximadamente 3% de crescimento em 12 anos, não enxergamos toda a complexidade do analfabetismo no Brasil, que continua muito longe de garantir uma equidade em termos de educação para todas as crianças, jovens e adultos”, analisa a professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), Andréa Serpa.

As disparidades permanecem quando considerados fatores raciais: as taxas de analfabetismo entre pretos (10,1%) e pardos (8,8%) são quase o dobro da taxa de analfabetismo entre brancos (4,3%). “A diferença racial permanece no acesso à habitação, saúde, cultura, segurança, transporte, alimentação e, claro, no acesso à educação de qualidade”, observa Serpa. Para a docente, em uma sociedade estruturalmente racista, onde o racismo se reflete de forma econômica, geográfica, cultural e social, não é uma surpresa que essa diferença persista. “Ainda há muito o que vencer socialmente, para que esse ‘fracasso político-social’ que atinge sobretudo pessoas pretas e pardas não se torne, também, um fracasso escolar. Nesse sentido, avançamos a passos muito lentos e, em alguns lugares, como certas comunidades extremamente violentas, onde mal se consegue ter uma semana letiva completa, temo que estejamos muito piores, e isso se reflete nos dados do IBGE”.


Os dados do Censo Demográfico 2022: Alfabetização mostram que as taxas de analfabetismo entre pessoas negras (pretas e pardas) e indígenas são maiores que entre pessoas brancas / Gráfico: Agência IBGE

Pessoas indígenas, por sua vez, apresentam uma taxa de analfabetismo quase quatro vezes maior (16,1%) que pessoas brancas. No campo educacional, a professora avalia que a luta por uma Educação Indígena que respeite a diversidade cultural dos diferentes povos nativos e uma alfabetização bilíngue que não busque a “colonização” e subordinação do outro é relativamente recente. “Para aprender a ler e escrever é fundamental que os textos partam de nossas identidades, desejos, sonhos e realidades. Infelizmente, essa concepção de alfabetização encontra ainda muitas resistências, dentro e fora da escola, rupturas e descontinuidades. Quando superarmos isso, tenho certeza que teremos índices ainda mais consistentes para comemorarmos”.

Políticas públicas para mitigar as desigualdades

Como no Censo anterior, a taxa de alfabetização na Região Nordeste permaneceu a mais baixa (85,8%), enquanto as Regiões Sul e Sudeste apresentaram os melhores dados, superiores a 96% (96,55% e 96,08% respectivamente). O destaque vai para Santa Catarina, que alcançou a maior taxa de alfabetização (97,33%). Por outro lado, Alagoas aparece como a unidade federativa com o menor índice de alfabetização (82,3%), além de a taxa de analfabetismo na região (14,2%) representar o dobro da média nacional.


Como no Censo anterior, a taxa de alfabetização no Nordeste permaneceu a mais baixa (85,8%), enquanto as Regiões Sul e Sudeste apresentaram os melhores índices de alfabetização (96,55% e 96,08% respectivamente) / Gráfico: Agência IBGE

Professor da Faculdade de Educação da UFF, Waldeck Carneiro considera que o Brasil é um país estruturalmente desigual desde a sua formação enquanto nação e essas diferenças se manifestam de diversas formas — socioeconômicas, raciais, regionais ou de gênero. Dessa maneira, o docente avalia que a taxa de analfabetismo no Nordeste, embora tenha recuado nos últimos 12 anos, é um dos vieses da desigualdade regional. “Sabe-se que há grande concentração de pobreza e de cidades de pequeno porte no Nordeste brasileiro, localidades onde as oportunidades de letramento mostram-se mais rarefeitas. Se tais práticas são mais limitadas social, cultural e economicamente, isso faz com que a taxa de analfabetismo caia com maior dificuldade”, explica.

Os resultados da pesquisa realizada pelo IBGE também trazem que dos 5.570 municípios do país, aqueles com população entre 10 e 20 mil pessoas apresentam uma taxa média de analfabetismo quase quatro vezes maior (13,6%) do que os com mais de 500 mil habitantes (3,2%). “A grande maioria das cidades vive na penúria, sem capacidade de arrecadação sequer para prestar os serviços mais essenciais, como a alfabetização de crianças ou o enfrentamento ao analfabetismo”, comenta. O docente acrescenta que essas pequenas cidades, em geral, não dispõem de acervos culturais diversificados, como cinemas, livrarias, auditórios ou anfiteatros, e mesmo a existência de universidades ou escolas é limitada: “Tudo isso interfere no quadro de empobrecimento cultural, que se revela, entre outras formas, pelas baixas taxas de escolarização e pelos elevados índices de analfabetismo de pessoas adultas”.

Para os próximos resultados serem diferentes e as desigualdades históricas superadas, Carneiro defende a necessidade de investimentos, principalmente por meio de transferências federais, para enfrentar o fenômeno do analfabetismo. Entre as medidas mais relevantes, menciona avançar na alfabetização de crianças durante o processo de escolarização, como pretende o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, lançado pelo governo Lula em 2023, para que as unidades de ensino não acabem produzindo analfabetos absolutos ou funcionais.

“É fundamental investir em formação e valorização dos profissionais da educação; recuperar programas que produziram avanços, como o Programa Brasil Alfabetizado; assimilar, no conteúdo das políticas de Educação de Jovens e Adultos (EJA), os resultados de pesquisas feitas em universidades e as propostas sistematizadas pelos vários fóruns de EJA existentes no Brasil e, por fim, adotar, em todas as áreas práticas de enfrentamento às desigualdades, aos preconceitos e às discriminações”, exemplifica.

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Andréa Serpa possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mestrado e doutorado em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Na Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, atuou por nove anos como professora do Ensino Fundamental. Atualmente, é professora associada da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), onde desenvolve e participa de projetos de ensino, pesquisa e extensão no Campos de Estudos do Cotidiano Escolar, com ênfase em Alfabetização, Avaliação, Currículo e Formação de Professores.

Waldeck Carneiro é mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutor em Ciências da Educação pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Sorbonne (Universidade Paris V). Atualmente, é professor titular da Faculdade de Educação da UFF, onde coordena o Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Educação (GRUPPE).